quinta-feira, 20 de setembro de 2012

HELENA ORTIZ (1947 - )



Gaúcha radicada no Rio de Janeiro, é uma das autoras mais ativas da cena poética carioca. Além de editar o jornal Panorama da Palavra, organiza diversos encontros literários pela cidade. Fundadora da Editora da Palavra, selo voltado para a poesia, é autora de quatro livros: Pedaço de Mim (1995), Azul e sem Sapatos (1997), Margaridas (1997) e Em Par (2001). Os poemas abaixo integram o livro Sol sobre o Dilúvio.



fraternal


três machos sem direito a cópula
cagam três vezes ao dia
num cativeiro moderno

recolha-se a merda
banho e ração
Ralph, Mateus e Subcomandante
pastores pastoreando passarinhos
ó como eu gosto de animais

três machos sem direito a cópula
ouvem o canto da sereia
no quintal de seu monastério

atacam-se decepando orelhas
mordem saco lombo jugular
em meio a latidos vão fazendo
vermelha a arena do combate

agora aí estão lambendo-se
lambendo-se as feridas como irmãos

 ***

despedida
 

pratos e lençóis o dia
acossado e atento
meu corpo inaugurado
meu desejo
um sangue branco
de pudor e medo

a mãe de costas
o cachorro alerta
um zumbido tonto
de terror e ânsia
a torneira aberta
disfarçando o rito

um dia não voltaste
a mãe veio vazia
perguntei
mataste?
não respondeu
nem eu queria

vesti o que tinha
o resto numa trouxa
o tempo em que fizeste
ouvidos moucos
rígida e fria
eu te matava aos poucos
 
 ***


seita


sobretudo amarelo
encarnado súbito
sólido círculo
solo de solidão
sobranceira
cimo do céu do oceano

fosforesce astro sagaz
maravilha máxima
magno soberano
sumo poder suntuoso
situado em
sólio supremo
antes depois:

                Habemus Sol!

ANA CRISTINA CÉSAR (1952-1983)


Nasceu no Rio de Janeiro. Viveu um ano em Londres, em 1968. Escreveu para revistas e jornais alternativos, saiu na antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque publicou, pela Funarte, Mestrado em comunicação, lançou livros em edições independentes: Cenas de Abril e Correspondência Completa. Dez anos depois, outra vez a Inglaterra, onde, às voltas com um M.A. em tradução literária, escreveu muitas cartas e editou Luvas de Pelica. Ao retornar, descobriu São Paulo e fixou residência no Rio. Trabalhou em jornalismo, televisão e escreveu A Teus Pés. Suicidou-se no dia 29 de outubro de 1983.




é aqui

por enquanto
ainda não tem
cortina
tapete luz indireta
amenizando a noite
quadro nas paredes


***

O nome do gato assegura minha vigília...

O nome do gato assegura minha vigília
e morde meu pulso distraído
finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e patas emergentes. Mas onde repousa

o nome, ataque e fingimento,
estou ameaçada e repetida
e antecipada pela espreita meio adormecida
do gato que riscaste por te preceder e

perder em traços a visão contígua
de coisa que surge aos saltos
no tempo, ameaçando de morte
a própria forma ameaçada do desenho
e o gato transcrito que antes era
marca do meu rosto,  garra no meu seio.


***


CIÚMES

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma
Tão distraidamente.

VANIA PERCIANI (1965 - )


Nascida em Santos, estado de São Paulo, é forma em Letras e Música e, atualmente, exerce o cargo de professora da Secretaria de Educação de Brasilia. É autora de Cama-se a trilha do Louco, ainda em construção.






Nascimento


Avatar, guardião das papoulas:
O verbo, de chama fez-se carne.
Semente, rompe em verdes quimeras
A frágil corola do destino,

Crepita,
Cresce,
Explode
Em sangue

- O mito
Se revela
Num grito.


***



O Mago



Vento,
Sopra sua flauta que, verde,
Rasga o ventre da terra.
Emaranha os cabelos da noite
Nas notas primais do desejo
E penetra no surdo silêncio
Das paixões inconfessas.

Estanca
Na fonte o correr do tempo.
E que por um minuto, um minuto,
Cerre o cerrado seus olhos –
E que o brinquedo, segredo perfeito,
Seja uma artéria louca pulsando
Na carne candente do sonho.


***


Rosa de Sharon

Emerge,
Nítida, a
Maldição

- Sob a cor
Do pincel:

Tarde rara!
A porta rangendo,
Machucando
Azuis...
O tigre acendendo
Olhos, luzeiros,
Som!

A Morte monta,
Certa a meta,
O arco do
Destino.

Sol e mar!
Venta coração
- Implacável!

Canta.
Canta.
E então
Desfolha,

Doce,
Selvagem

- Meu nome.