sexta-feira, 20 de maio de 2016

IARA MARIA CARVALHO (1980 - )

Iara Maria Carvalho nasceu em 1980, em Currais Novos, Seridó norte-rio-grandense. É graduada em Letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Atua como agente cultural em sua cidade, através do Grupo Casarão de Poesia. Como poeta, venceu o 3º Concurso de Poesia Zila Mamede (Parnamirim/RN, 2006) e obteve a 3ª colocação no Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody (Curitiba/PR, 2010), dentre outros concursos. Como poetisa, Iara participou de várias antologias coletivas, resultantes de premiações. Sua estreia em livro-solo deu-se em 2011 com a coletânea Milagreira. Seguido de Saraivada, publicado em 2015. 





SARAIVADA



apresso o passo,
que lá vem o silêncio.

corra:
ele consome
suas melhores preces.

voar é grande
— então voe.

exploda
espalhe
ecoe.

não recolha os cacos de
memória e osso
nem amacie o dorso ferido
dos campos minados.

desfira um golpe
misericordioso
no corpo sem carne
do silêncio.

e com o sangue escorrido
escreva um livro.


***



DESFEITA

cortei cabelo,
unhas
e todos os carboidratos.

os meus pulsos,
porém,
ainda estão intactos.

***


Trajeto


fui acontecida
desde a noite de natal
quando no cimo da árvore
cravaram espinho
pedra
e mel

morri no nome
quando não pude nadar

cantar então é um enorme
cacto
na garganta.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

BANDEIRA DE MELLO (1918 - 2008)




Poeta, ensaísta, advogado, nasceu em Caxias, Maranhão, em 1918. Foi membro da Academia de Letras do Maranhão. Obra poética:  A viagem humana (1960), O mergulhador (1963), Canções da morte e do amor (1968), Da humana promessa (1976), Uma canção à beira-mar (1977), Durante o canto (1978), A estrada das estrelas (1981), Da constante canção (1983).





UM CORPO DE MULHER



Este corpo de mulher
cálido
me atrai com seu mistério
trágico

A curva da costa
se funde
na curva da sombra

Este corpo de mulher não aterrado
Infenso ao trágico

As longas coxas morenas
confundidas com a sombra
descerram a guarda mais negra que vela no fundo
que vela um abismo
entredisfarçados pelos sobre o abismo
atrás do qual lateja o sangue estrelado
do universo


único verso



***



SONETO DA SAUDADE

A volta aos dias claros da viagem
quando meu corpo esguio adolescia
e o espetáculo do mundo transcorria
a meus olhos leveza de miragem

Quando o brilho do campo era a imagem
do que dentro de mim acontecia
era tudo manhã do mesmo dia
encontrada nas cores da paisagem

Ainda escuto vozes peregrinas
ensurdecidas distanciadas sinais
que se passaram céleres no vento

Ontem tudo tão vivo, hoje desmaia
não há asa de vôo que não caia
na laje deste meu esquecimento.


***




HOJE MANHÃ

Todo hoje tem amanhã, como o eu o objeto,
Tudo o que é será o seu futuro
A pedra o sangue o Iodo o lírio o afeto
flor humana que nasce de monturo

As estrelas brilhando em céu dileto
refervilhavam em caos prematuro
o irradiante clarão provém direto
da dor da fricção do ventre escuro

Sendo eu o que serei, serei  já sendo
inelutavelmente condenado
a meu próprio amanhã e ao de tudo

então se cumpra logo o ciclo horrendo
sendo eu o meu porvir mas apagado
no vivo mar desafogado...    mudo.


AFFONSO HELIODORO (1916 - )

Affonso Heliodoro nasceu em Diamantina, em 1916, e foi aluno da mãe do presidente conterrâneo, Júlia Kubitschek. Também trabalhou com JK no governo de Minas Gerais e coordenou as campanhas políticas do político. Mesmo após o fim do governo do ex-presidente, Heliodoro continuou a acompanhar o amigo de infância nos anos de exílio, em Paris. De volta ao DF, comandou o Memorial JK desde a abertura do espaço, em 1981, até 1997. Com 100 anos muito bem vividos, o pioneiro segue atuando na área cultural, como presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF.







PAZ

Esta noite tu dormias tão tranquila!
Teu respirar ritmado trazia-me aos ouvidos
músicas que ninguém ouviu.
Só eu, apaixonado, pude encantar-me
com os acordes dos anjos que,
no ritmo suave de teu sono,
tocavam, de leve, as cordas de suas harpas
e delas tiravam notas e sons celestiais.
A harmonia de teu sono encheu de paz
o nosso quarto.
Mais uma noite feliz ao lado teu.

***


 
VÊNUS CIUMENTA

Desponta lá no céu a lua cheia!
Sobe airosa e toda se enfeita.
Brincam e bailam ao seu redor
milhões de estrelas!
Vénus enciumada afasta-se do bale.
Orgulhosa, fica lá em baixo,
lá embaixo, sozinha.

Perco meus olhos pelas alturas.
Sonho.

Surpreendo-me a vogar pelo passado.
Cenas de um tempo que se foi.
Acordo e vejo as marcas que ficaram
e hoje voltam à minha realidade.


***
                                 

ACALANTO

Para embalar teu sono de menina
fiz do meu canto doce melodia.
Minh'alma ao ver-te toda se ilumina.
Se escura a noite, para mim é dia.

Teu sono leve, ao leve respirar,
é belo encanto que me alegra a alma.
Vendo-te pura e doce para amar
sinto que me seduz e a alma me acalma.

Olho-te mais e mais me asseguro:
Caminhos vários aqui me trouxeram,
ao porto desta vida em que seguro

meu pobre barco que vogava ao léu,
por mares turvos que te antecederam,
encontra em ti a terra firme e o céu.