segunda-feira, 19 de maio de 2014

GODOFREDO FILHO (1904-1992)




 
Antologiado por Manuel Bandeira, Godofredo Rebello de Figueiredo Filho nasceu no dia 26 de abril de 1904, em Feira de Santana. Cursou Filosofia e Arte Brasileira. Dirigiu o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Bahia-Sergipe). Lecionou na Escola Normal em Feira de Santana, História do Brasil, na Escola de Belas Artes e Estética, na Faculdade de Filosofia da UFBA. Foi representante do Brasil na UNESCO, sediada em Paris. Foi membro da delegação brasileira no II Congresso de Cooperação Intelectual em Santander, na Espanha. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, do Instituto de Geografia da Bahia. Foi dirigente da ala de Letras e Artes do Centro de Estudos Baianos, do Conselho de Assistência ao Plano de Urbanismo da cidade de Salvador, do Instituto de Filosofia e da União Baiana de Escritores. Foi condecorado com a Medalha de Olavo Bilac, do Exército e da Ordem do Mérito da Bahia. Foi membro da Academia de Letras da Bahia. Entre muitas obras, destacam-se: Poemas de Ouro Preto (1932); Poema das Rosas (1952); Sonetos e Canções (1954); Lamento de Rendição de Enône (1959); Cinco Poetas (1966); Sete Sonetos ao Vinho (obra prima); Poema de Feira de Santana (1926)... Faleceu, no dia 28 de agosto de 1992. Seus restos mortais foram trasladados para o Cemitério Piedade, em Feira de Santana.




DOIS SONETOS À PERDIÇÃO DE MARIANA


I

Vaga, tênue lembrança de um perfume
de flor esguia, delicada e pura,
Mariana entre as frágeis, lindas rosas,
que à tarde o vento mau despetalava.

De vestido azul claro e de sandálias
recurvas, laço rubro nos cabelos,
recordo quando a via, ó enfermeira
silenciosa das fontes do jardim.

Do destino das coisas compungida,
o sinistro mistério aprofundando
da evanescente e efêmera beleza,

Mariana talvez que pressentisse
o mudo horror das rosas derradeiras
que em seu féretro branco morreriam.




II

Penso no amargo instante, ó alta Amada,
em que se apartarão, cheios de mágoa,
de mim teus negros olhos, rasos de água,
e essa ternura ingênua e delicada.

Que mais posso dizer? Nem se apagada
sempre, não hoje só, verei a frágua
a salamandra de teu sonho.  Trago-a
dentro d´alma, já murcha e mal fanada,

a flor do afeto a que sorrimos ambos,
e a deixaste gelar neste abandono,
no limbo vítreo domais longo sono.

Embora ! O aroma dúlcido dos jambos
sentirei, que me lembra um céu perdido,
ó fruto verde, ó fruto proibido!

***


Lamento da perdição de Enone
 
Quero fugir e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
 
Se a noite ao menos pudesse
fazer com que me esquecesse
da fria luz que, no quarto,
sobre o teu corpo morria.
 
Oh gargantilhas de espanto
na esconsa perdida!
 
Se a noite ao menos pudesse,
apagar o riso insano
que deste para outros homens,
a esquimose de teu riso
na carne dos transeuntes.
 
Taça esgalga (negra rosa!)
taça esbelta onde anoitece
o vinho que me delira,
tormento,
lunar delícia
de tantas bocas viciadas
na polpa nutriz dos mundos.
 
Não dormias, que eu só sei
da luz verde que escorria
sobre os teus seios imersos
no mar moreno do peito.
Girafa que me alucina,
cobra, cobra,
cobra, cobra,
doida mula-sem-cabeça
batendo os cascos de vidro
no rosto do meu desejo...
 
Quero gritar e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina.
 
Se a noite ao menos pudesse,
na sombra do mar do tempo,
perder o lume trigueiro,
mas tão frio, de teus olhos.
 
Na relva negra do púbis,
de teu púbis -- horto exíguo,
quisera pascer cuidados,
ternuras, canções de lua,
ou bem, anseios magoados
do riço mau das bromélias.
 
Quisera pascer cuidados...
ou esgueirado pelas bordas
do poço do mundo estéril,
fecundar óvulos mortos.
 
Enone,
a aurora surgia
das dobras de teu silêncio.
 
Vinho, aromas, luzes cruas,
e essas pupilas boiando
num charco azul de atropina.
 
Enone,
a aurora dançava
na festa dos teus cabelos.
 
Quero fugir e não posso.
Quero correr e me sinto
colado no chão da esquina. 


***


SONETO DO VINHO DO PORTO


Fruto em verde ou de ígneo e azul, tocado
da música da alva. Ó tessitura
de esférico sabor, lúdico aroma
de pomo etéreo. Os beijos que não são.

Desliza em rota insone. E eu te procuro,
ó domador do tédio. E, travo e mel,
de seu conúbio vegetal ressumbram
no liquefeito olhar das feras bravas.

Que do xisto azumbrado a fulva luz
tornada em sumo e veludoso gosto
por sobre a calcedônia do desejo.

Vinho que sabe a amor sem fim, ocíduo
clarão que incide às tardes sobre o Douro,
ou de Andrômeda o riso e o de Canopo.





FÁVIO OFFER (1980 - )


Flávio Offer nasceu em 20 de outubro de 1980, em João Monlevade, Minas Gerais. É graduado em Letras. Publicou os livros: Cata-ventos, o destino de uma poesia e Itinerário Fragmentado. Além de publicações esporádicas na Internet...






Breviário di'versos


1.

quero a palavra disforme
análoga à forma das nuvens
prenúncio de coisas tardias
vazio sem nome -

buraco negro a engolir estrelas.

quero o verso vazio
poesia de coisa nenhuma
silêncio em seu contrário
vazio sem nome -

Sputntk a vagar no espaço.

quero o regresso à terra
o abraço do solo escuro
anúncio cie coisas inúteis
vazio sem nome

Morte a engolir a vida.


2.

pardals a piar na pia
o fogo a consumir os ninhos
o sino exaurido na torre
anunciando o luto
sobras de farelo no turvo deserto
o homem alheio
escravo do nada
cravado na areia e fome
o homem sem nome
derradeiro estado de coisa


3.

figuras fictícias prefiguradas
fina estampa
letras garrafais a esculpir desejos
a propaganda é sem alma
(o negócio)
onde há espaço invadimos
o único preço é a fuga
talvez a ilusão de um quase
permanente


4.

decresço na crença
o corpo é um trapo combalido
o bolso é um rasgo de vinténs
a alma
desgraça de improviso
no abraço
em gritos de amém

a sombra dá descanso e maldição
meu ópio
é a precisão do paraíso
estou ébrio
em promessas o delírio
estou sóbrio
em profanação


***



Tristezza

Sobram palavras quando há pouco a dizer
Talvez a loucura coubesse na roupa que deixei no cabide
Ou nem houvesse razão para sair de mim
O mundo multicolorido desfocado pela lente da Insanidade
O tempo, escusado de mim, vadia...
Vadia como os últimos boêmios
Que saem pelas ruas, exaustos de viver
Vadiam nas ruas da Penha,
Vila Madalena ou qualquer canto deste mundo
Em um quarto carcomido...
Sim, sou um destes que tentam atravessar o país
Num piscar de olhos
Talvez uma necessidade de fugir de mim
Ou de me encontrar em qualquer esquina
Onde os loucos se encontram.
Eis que chego à porta da Casa Verde
Recebendo a chave da Cidade das Rosas
Como honra ao mérito de outrem,
Sou assim, usurpador do trono,
Tenho a coroa e a coragem,
Sob o braço o chapéu... nas mãos?
Delírios feitos de confetes e serpentinas
À espera de outros carnavais
Onde os corpos se encontrem
Suados, purpurinados, débeis.
Sim, espero a euforia que vem do claustro,
A lobotomia, o choque elétrico, a surra, o coice...
Espero o veneno destilado nos cálices sagrados
O corpo sangrando sobre a pedra.
Espero o que não é para se esperar,
O desespero, a sofreguidão,
E, espero sempre na mais tola calmaria
Aquilo que não há de vir.


***


UM ABORTO

No desespero de ver a vida passar
rabisquei palavras vazias
sobre estas pautas nuas...

E nesta desventura
fui gerar mais uma vida,
entrelaçado nas fadigas
e em tuas pernas,
fizemos a mais bela poesia...

Ao fim da noite
e destas loucuras,
mergulhamos
no mesmo vazio...

E a solidão
que nos invadiu
fez-me rasgar esta página

JOSÉ PAULO PAES (1926-1998)



 
Poeta, tradutor, ensaísta. José Paulo Paes, Nasceu em Taquaritinga, Estado de São Paulo. Na casa em que veio ao mundo havia livros de seu avô para lera desde criança... Estudou química industrial em Curitiba e iniciou-se na literatura nos círculos paranaenses em voga em meados dos anos 40 que freqüentvam o Café Belas Artes. Publicou seu primeiro livro de poema em 1947 – O aluno. Mas é em São Paulo, a partir de 1947, que amadurece em convivência com personalidades fulgurantes como Oswald de Andrade e outros modernista, depois pela amizade com os concretistas sem nunca chegar a filiar-se a tais grupos.





MADRIGAL

Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.

Como o céu refletido
Nas pupilas do um cão. 

***


À MODA DA CASA

feijoada
marmelada
goleada
quartelada


***


O ALUNO

São meus todos os versos já cantados;
A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.

Intacto me revejo nos mil lados
De um só poema. Nas lâminas da estância,
Circulam as memórias e a substância
De palavras, de gestos isolados.

São meus também, os líricos sapatos
De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.

Drummond me empresta sempre o seu bigode,
Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira.