segunda-feira, 12 de outubro de 2015

FÁBIO BAHIA (1976 - )

Fábio Bahia de Oliveira é natural de Santaluz. Licenciado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Em 2003, passou a residir em Caldas de Cipó, de onde produz contos, poemas e também um romance ainda em edição de titulo: Relato de um Anjo caído. Publicou, em 2014, o livro de poemas Ferramentas dos Deuses (Mondrongo, 2014). Já foi premiado e publicado em antologias sites e revistas no Brasil e na Espanha.







Gato vadio


Gato vadio que andas no escuro
calçada, telhado e em cima do muro
ágil, veloz e de intrépidos pulos
criatura de Artemis, beleza do mundo.

Gato vadio que enxergas no escuro
para fêmea no cio, em só um segundo
felinos mistérios, se mostra fecundo
enfrenta rivais e ao se ver em apuros

gato vadio, se mostra tão duro
de luta feroz não é abstenho.
Presas e garras defendem seu prêmio.

Gato vadio, que reina no escuro
Vives tudo e tudo é tão pleno.
Fazes meu mundo parecer tão pequeno.



***




HAI-KAI




[A MAGIA DA VIDA]

Onde está da vida, a magia?
Ora, até os animais sabem
vivemo-la todos os dias.




***



ÁGUA TERMAL


A água brota
quente e corre
pelo chão como s
                                        e
                                                     r
                                                         p
                                                                  e
                                                                n
                                                                         t
                                                                                                  
                                                                        e




CLÁUDIO NEVES (1968 - )

Nascido na cidade Rio de Janeiro, mas morando em Fortaleza, Ceará, há quase duas décadas, Cláudio Neves é poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário e professor: bacharel em Comunicação Social e licenciado em Língua Portuguesa. Publicou pela primeira vez no Jornal de Letras (1988).  Seu livro de estreia, De sombras e vilas (7Letras), no entanto, deu-se apenas 10 anos depois, em 2008.  Em 2009, publicou Os acasos persistentes, também pela editora 7Letras, e, em 2011, Isto a que falta um nome, pela É Realizações. Para o poeta e crítico Ivan Junqueira, na contracapa de seu Isto a que falta um nome, a poesia de Cláudio Neves é “como toda grande e autêntica poesia, a de Cláudio Neves é uma permanente surpresa, no que toca à linguagem, ao ritmo, à música sutil das rimas, ao inesperado das imagens e metáforas, aos temas que se renovam a cada poema. Há neste poeta um harmonioso casamento entre a emoção que pensa e o pensamento que se emociona, o que realça e ilumina a expressão poética”. 






VILA


Seu Pedro morreu roncando.
Dona Hilda, de derrame.
Juquinha, daqui uns anos.

Eunápio foi miocárdio.
Hélio e Mário, um mesmo câncer
metódico, magnânimo.

Seu Paulo reforma o muro
que não verá reformado.
Num prédio, noutro subúrbio,
Judite abrirá o gás,
tomará dez comprimidos.

Ao ocaso, Dona Lourdes,
de ignorado destino,
fecha a janela como se fechasse um livro



***




INTRODUÇÃO À SOMBRA
4. A MORTE

A morte ensina à sombra
como habitar as coisas,
seduzi-las,
e a sombra, à morte
como, tocando-as,
consumi-las.

Que a morte, como sangue,
na sombra circula,
e a sombra  braça a morte,
e a anula.


***



Entreato


... é que amiúde um objeto me constrange
com sua mera e casual presença,
sem que me doa, fira ou que me lembre,
sem que mais seja que ser ele mesmo.

E o vigio em alheado assombro
daquele tudo que nele universo,
ambos fincados no mesmo mistério
de sermos seixos nesse leito espaço-tempo.

Uma falsa maçã sobre uma mesa,
um espelho e a sala em seu fundo ou pele,
um cão, um morto, uma cadeira velha...

E às vezes penso se essas horas sem essência,
que nada valem, nada são, nada libertam,
me salvam do naufrágio da existência.


INÊS MONGUILHOTT (1958 - )


Inês Pedrosa de Araújo Monguilhott é natural Recife, Pernambuco, no entanto, morou grande parte de sua vida em João Pessoa, capital da Paraíba. Há 25 anos mora em São Paulo. Escreveu dois livros de poesia que pertencem a uma trilogia: Natural (2011) e De mim (2013), ambos publicados pela editora Ofício das Palavras. Os poemas que se seguem, pertencem ao livro final da trilogia, cujo título ainda permanece indefinido, e foram gentilmente cedidos pela autora.














ARGOS


 As coisas podem refletir,
concêntrico e ciclópico, o olhar.
Ou, desavisados, os olhos podem,
se não se mantiverem bem presos,
– sem tremular sequer um risco –
romper as superfícies
como fossem água ou ar e,
navalha ou navio,
perderem-se feito pedra
num oceano,
arrastados.


***



SARGAÇO


 Coalha a foice da praia,
e maior,
uma fluida cabeleira de morta.
Massa resfolegante imersa,
inútil messe das ondas
multidão a me enroscar as coxas.

Peixes,
olhos transfixos destes escombros sonambúlicos
aprendem a sufocar,
a suportar suas vísceras arquiteturas,
e suplicam por mais e mais.
Mais ar.

Pesa-lhes uma estúpida beleza.



***



RECOLETA


 Na iglesia del Pilar vazia, meu amigo desobedece
toca a sineta que anuncia o santíssimo.

Para certifica-se do que vê
sobe ao altar e bate os nós dos dedos
no metal do púlpito.

Nem a prata responde,
contudo, nela,
ele crê.  



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

ANNE CERQUEIRA (1964 - )

Anne Cerqueira é formada em Letras pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), cidade onde nasceu. Atua na área de jornalismo e tem trabalhos publicados em vários livros e revistas. Nos anos 90, foi incluída pelo escritor Assis Brasil, na coletânea nacional A Poesia Baiana do Século XX (Imago, 1999), que reuniu 60 poetas baianos.






Poema revisitado






Quero te dar um presente, meu amigo
aquele velho livro ou disco
porque aqui tudo é velho
até mesmo o que acaba de sair do forno
já sai condenado. Vou ler um dos meus poemas
preferidos
para você achar que a vida tem jeito
e só os poetas sofrem
como Maiakovski
ou Bukowski que queria derreter a morte
com versos
como se derrete manteiga
e ele nem tinha ilusões, veja só
sinto pena.
De mim e de você que nada somos
e desafiamos a morte no supermercado.
Quero te dar um presente, meu amigo.
Talvez uma quantia em dinheiro
que te sustente na velhice se você chegar lá
envergado desse jeito
inútil desse jeito
da mesma forma que eu
que já vivi noventa anos em quarenta
(e foram só meses)
e nem tenho nada para te oferecer
pois tudo é gasto.
Vamos ouvir música
comer bobagens
atravessar a rua sob o sol de meio dia
porque é isso que nos resta.
Sou infantil, egoísta e confusa e quero te dar um presente, meu amigo
para que você me odeie profundamente
e diga:
não sei o que fazer com isso. E assim seremos iguais mais iguais que os outros.
Numa irmandade que não nos salva
nem preserva
não é bondosa
nem misericordiosa
nem má. Não existe por códigos especiais e secretos
nem nos torna especiais ou melhores
ou piores
ou diferentes.
Não nos subtrai, nem acrescenta. Mas pela graça de Deus
não nos pede retorno.
Toma é tua essa pedra.
Verbo.
Meu amigo, não sei para que serve
e talvez seja esta sua única função. 


***


Navegar




É preciso ser feliz para esquecer
que a vida é esse prego na carne.
A conta para pagar
o desamor
(o desamor não mata ninguém –
ele disse e eu repeti
tantas vezes que perdeu o sentido)
é preciso perder o sentido
para ser feliz
larga a vida
vai ler um livro.
Navegar
quando preciso.



 ***

Caminho



O azul desabou sobre mim
suas promessas impossíveis

Por onde ir, meu Deus,
cega assim?

Nessa tarde
mínima
e absurda

Onde estás, onde estás
que não respondes?








RONALD FREITAS (1979 - )


Ronald Freitas é baiano de Caldas de Cipó, trabalha como Diretor de Cultura do seu município, onde também milita na educação e apresenta o programa Catraca Cultural pela Rádio Milênio FM. Estudante de Letras, há algum tempo busca publicar seu primeiro livro intitulado Corpo Aflito. Participou das coletâneas: IV Prêmio Canon de Literatura, II Concurso de Poesia Amigos do Livro da Feira do Livro de Poços de Caldas, III Prêmio Cidade Poesia de Bragança Paulista, e mais recentemente da coletânea Outros Riscos, oriunda do Prêmio de Poesia Damário Dacruz, promovido pela Fundação Pedro Calmon. Ficando também com a menção honrosa no Concurso Nacional de Poesias Sérgio Monteiro Zan organizado pela Prefeitura de Ponta Grossa no Paraná, e com o 1º lugar no 9º Prêmio de Literatura Paulo Setúbal do Estado de São Paulo. Alguns poemas de Ronald Freitas podem ser encontrados na antologia Cantares de Arrumação: panorama da nova poesia de Feira de Santana e Região (Mondrongo, 2015), organizada pelo poeta Silvério Duque.

















UM CANTO A AYLAN KURDI

Ao poeta Wender Montenegro, pai.



O roxo azulado nas mãos do pequeno Aylan decretava o silêncio.
Era a cor do adeus manchando a praia
Escorrendo chumbo e indiferença ao largo Mediterrâneo.

Nenhum pássaro naquela manhã em Bodrum.
No bote, pesava sobre a criança um amontoado de pavor, esperança e sal.
Não compreendia bem toda aquela agitação
O porquê de não ter trazido sua bola
Não compreendia aquele estranho passeio da morte em família.

Entre as pernas da mãe, observava Galip, seu irmão mais velho
O pai que conversava com outros homens.

Na madrugada, desperta o pequeno peregrino encharcado pela fria imensidão.
E com o coraçãozinho estremecido, sente pela última vez a mão do pai 
que tenta em vão alcançá-lo... 
numa luta desigual com os braços hercúleos do mar.




II


[PARTE AYLAN PELA ESCURIDÃO]



Segue agora pela via imaculada dos anjos
Com as asas molhadas
Sozinho e consumido pela água impiedosa.
Não sabe dos seus pais, do seu irmão Galip,
Não sabe mesmo que estranha agonia é aquela que lhe sufoca o peito.

Não irá à escola,
Tampouco gritará gol na terra empoeirada do seu país erguido 
entre o sangue e o desespero.

Permanecerá naquela praia, deitado de bruços sobre a areia fria
Aguardando imóvel os corpos de sua mãe e do seu irmão 
que não tardarão a chegar.



***


Uma outra história


Na curva daquela estrada
a escuridão não veio.

( na curva, o dia era apenas sol )

Pena que não passamos por aquele caminho,
vivemos alheios às curvas.


 ***

Poema da Anunciação





1.

O corpo dobra-se ao peso da vida
dobra-se à curva do tempo
desenha milagres de giz.



2.

Pouco fui de filho talvez,
quanto serei de pai na ausência de mim mesmo?
nas tuas ausências, na ausência nossa de cada dia?


3.

O olhar vago percorre o quarto,
o quarto adormece e os olhos do pequeno engolem meu coração.





ARTHUR DE SALLES (1879-1952)

Arthlur Gonçalves de Salles nasceu e morreu em Salvador, capital da Bahia. Foi poeta, tradutor e escritor brasileiro. Em 1905 forma-se pela Escola Normal da Bahia. Em 1908 é nomeado bibliotecário da Escola Agrícola da Bahia, situada na vila de São Francisco do Conde. Publica seus poemas em diversas revistas da Bahia. Por essa época, participa dos serões, dos recitais de poesia na casa de seu tio Martinho Gonçalves de Salles Brasil, ao lado de seu pai, Severiano, da poetisa Amélia Rodrigues, dos Balthazar da Silveira, dos Mangabeira etc. A Revolução de 1930 fechou os Aprendizados e fez com que o poeta caísse em disponibilidade não-remunerada. Em 1935, é nomeado para o mesmo cargo de professor adjunto, para o Aprendizado de Quissamã, Sergipe. Enquanto estava em disponibilidade, foi ensinar no Instituto Baiano de Ensino de seus antigos condiscípulos Hugo e Giraldo Balthazar da Silveira. Leccionou português, francês e história. Arthur de Salles foi Imortal da Academia Baiana de Letras, ocupando ali a Cadeira de número 3, que ocupou até sua morte, em 1952. Aposentado não se divorciou da vida literária de sua província. Participou ativamente do movimento Nova Cruzada, aproximou-se dos jovens promotores de Arco&Flexa, frequentava as reuniões da ALA (Ala das Letras e das Artes). Filiado à Associação Brasileira de Escritores, era presidente da seção da Bahia, quando, em 1948, se realizou em Salvador um congresso nacional promovido pela entidade. Foi um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia.






PÚRPURAS


Na púrpura do Verso o ouro do Sonho ardente,
Fio a fio, teci. Era manhã! Radiava
Em pleno azulo meu belo sol adolescente.
E o meu Sonho, a essa luz, resplendia e cantava.

Como a enrediça, a vida, indomada e ascendente,
Por minha mocidade em mil voltas serpeava.
E tudo, no esplendor de um mundo renascente,
Sonoro, multicor, multímodo, vibrava.

Musa, que não gemeu flébil, magoada e langue:
Vivaz, tonto de luz, salta o primeiro verso,
Ao primeiro rebate estuoso do meu sangue.

Ó selvas tropicais! Ó sonoras luxúrias!
Mundo excelso do Sonho, esvoaçando, disperso,
No incontentado ardor dessas rimas purpúreas!


***


MORS AMOR


Nesses tremendos círculos da vida
Erras, clamando, aflita e delirante.
Ao céu levantas a alma soluçante,
De preces e de súplicas ungida.

Dentro do teu clamor exulcerante,
Sem rumo e só, de dores combalida,
Vagas por esses círculos, perdida,
E giras nesse sorvedouro estuante.

Buscaste o amor; e o mundo era um deserto!
Teu coração, de lágrimas coberto,
Em vão gritou por quem o acalentasse.

O amor nos ermos corações morrera
— Árvores augusta, em plena primavera,
Que um sol maldito e bárbaro queimasse!


***



Grega

Recordo as glórias imortais e as lendas
Da tua Pátria, ó bela peregrina...
Recordo Queronéia e Salamina,
Lanças, escudos e as guerreiras tendas.

Lembro Cassandra e as predições tremendas.
Passam, num sonho fúlgido, à retina,
Homero e as Musas, a legião divina,
Do Tempo, eternos, palmilhando as sendas.

Mas o sonho maior e mais radiante,
É essa visão remota e perturbante,
Esse plaino da Argólida deserta

De onde penso que vens, de mirto e louro
Coroado a fronte, e toda, toda do ouro
Do sepulcro dos Átridas coberta.






PÚRPURAS


Na púrpura do Verso o ouro do Sonho ardente,
Fio a fio, teci. Era manhã! Radiava
Em pleno azulo meu belo sol adolescente.
E o meu Sonho, a essa luz, resplendia e cantava.

Como a enrediça, a vida, indomada e ascendente,
Por minha mocidade em mil voltas serpeava.
E tudo, no esplendor de um mundo renascente,
Sonoro, multicor, multímodo, vibrava.

Musa, que não gemeu flébil, magoada e langue:
Vivaz, tonto de luz, salta o primeiro verso,
Ao primeiro rebate estuoso do meu sangue.

Ó selvas tropicais! Ó sonoras luxúrias!
Mundo excelso do Sonho, esvoaçando, disperso,
No incontentado ardor dessas rimas purpúreas!


***


MORS AMOR


Nesses tremendos círculos da vida
Erras, clamando, aflita e delirante.
Ao céu levantas a alma soluçante,
De preces e de súplicas ungida.

Dentro do teu clamor exulcerante,
Sem rumo e só, de dores combalida,
Vagas por esses círculos, perdida,
E giras nesse sorvedouro estuante.

Buscaste o amor; e o mundo era um deserto!
Teu coração, de lágrimas coberto,
Em vão gritou por quem o acalentasse.

O amor nos ermos corações morrera
— Árvores augusta, em plena primavera,
Que um sol maldito e bárbaro queimasse!


***



Grega

Recordo as glórias imortais e as lendas
Da tua Pátria, ó bela peregrina...
Recordo Queronéia e Salamina,
Lanças, escudos e as guerreiras tendas.

Lembro Cassandra e as predições tremendas.
Passam, num sonho fúlgido, à retina,
Homero e as Musas, a legião divina,
Do Tempo, eternos, palmilhando as sendas.

Mas o sonho maior e mais radiante,
É essa visão remota e perturbante,
Esse plaino da Argólida deserta

De onde penso que vens, de mirto e louro
Coroado a fronte, e toda, toda do ouro
Do sepulcro dos Átridas coberta.