UM CANTO A AYLAN KURDI
Ao poeta Wender
Montenegro, pai.
O roxo azulado nas mãos do pequeno Aylan decretava o silêncio.
Era a cor do adeus manchando a praia
Escorrendo chumbo e indiferença ao largo Mediterrâneo.
Nenhum pássaro naquela manhã em Bodrum.
No bote, pesava sobre a criança um amontoado de pavor, esperança e sal.
Não compreendia bem toda aquela agitação
O porquê de não ter trazido sua bola
Não compreendia aquele estranho passeio da morte em família.
Entre as pernas da mãe, observava Galip, seu irmão mais velho
O pai que conversava com outros homens.
Na madrugada, desperta o pequeno peregrino encharcado pela fria imensidão.
E com o coraçãozinho estremecido, sente pela última vez a mão do pai
que tenta
em vão alcançá-lo...
numa luta desigual com os braços hercúleos do mar.
II
[PARTE AYLAN PELA
ESCURIDÃO]
Segue
agora pela via imaculada dos anjos
Com as asas molhadas
Sozinho e consumido pela água impiedosa.
Não sabe dos seus pais, do seu irmão Galip,
Não sabe mesmo que estranha agonia é aquela que lhe sufoca o peito.
Não irá à escola,
Tampouco gritará gol na terra empoeirada do seu país erguido
Com as asas molhadas
Sozinho e consumido pela água impiedosa.
Não sabe dos seus pais, do seu irmão Galip,
Não sabe mesmo que estranha agonia é aquela que lhe sufoca o peito.
Não irá à escola,
Tampouco gritará gol na terra empoeirada do seu país erguido
entre o sangue e o
desespero.
Permanecerá naquela praia, deitado de bruços sobre a areia fria
Aguardando imóvel os corpos de sua mãe e do seu irmão
Permanecerá naquela praia, deitado de bruços sobre a areia fria
Aguardando imóvel os corpos de sua mãe e do seu irmão
que não tardarão a
chegar.
***
Uma
outra história
Na
curva daquela estrada
a
escuridão não veio.
(
na curva, o dia era apenas sol )
Pena
que não passamos por aquele caminho,
vivemos
alheios às curvas.
***
Poema
da Anunciação
1.
O
corpo dobra-se ao peso da vida
dobra-se
à curva do tempo
desenha
milagres de giz.
2.
Pouco
fui de filho talvez,
quanto
serei de pai na ausência de mim mesmo?
nas
tuas ausências, na ausência nossa de cada dia?
3.
O
olhar vago percorre o quarto,
o
quarto adormece e os olhos do pequeno engolem meu coração.
Não ha dúvidas aqui, alí ou acolá, que Ronald Freitas é um gigante da nova geração de poetas baianos. Mais que isso é um poeta que abraça todas as expressões artísticas, defendendo-as com ou sem as armas estatais ou municipais... Rápido exemplar de seus poemas aí estão, e muito em breve em seu tão esperado CORPO AFLITO, que iniciará sequencia de excelente Literatura e muitos tantos outros projetos !
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