sexta-feira, 30 de setembro de 2016

WAGNER SCHADECK (1983 - )

Wagner Schadeck nasceu em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL), com a Revista Poesia Sempre (BN) e com os periódicos Cândido e Rascunho. Em 2015, organizou a reedição de A peregrinação de Childe Harold, de Lord Byron, pela Editora Anticítera.







A CAVERNA


Última sessão de cinema.
Numa sala escura de edícula,
Como serpente, uma película
No chão desenrola o dilema:

O enredo emenda novo esquema?
Seria esta cena a partícula
De outra metragem sem matrícula?
Quando o término? Qual o tema?

Farol vigiando da cabina,
Há um projetor que rebobina
E avança as sombras de uma história…

E o espectador nessa caverna
Deseja ver na vida externa
Ao filme íntimo da memória.


***



DÍVIDA


O Tempo, terrível credor,
virá bater à nossa porta;
austero, deve nos propor
o saldo de uma conta morta.

Somam-se idades, à medida
que os anos devem diminuir.
Somos inquilinos em vida,
e a nossa casa há de ruir.


***




VINGANÇA


Vai ébrio de ódio. Mas equilibra-se. Em ambas
as mãos há um garrafão. No meio-fio tropeça
e em trôpego bailado bate com a cabeça
numa placa de trânsito. Ao pisar muambas

espalhadas no chão, parece gingar sambas.
Não há ninguém que o avise, ninguém que o impeça
do próprio pé molhar, mijando-se sem pressa.
Prossegue. O passo é duro, embora as pernas bambas.

Opera uma manobra, oculto atrás dos postes.
Marchando em plena rua, investe contra as hostes.
O pensa fazer, tão intrépido e indômito,

contra essa imensa grei? À turba, sem embargo,
avança resoluto, estufa o ventre largo,
lançando a todo mundo o nojo de seu vômito. 


TASSO DA SILVEIRA (1895-1968)


Tasso da Silveira nasceu em Curitiba, capital do Paraná. Formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro, em 1818, mesmo ano em que publicou seu primeiro livro de poesia, Fio d'Água. No ano seguinte, fundou e tornou-se diretor das revistas Os Novos, Árvore Nova, Terra do Sol, com Álvaro Pinto, América Latina, com Andrade Muricy e Cadernos da Hora Presente, com Rui de Arruda. Colaborou nos jornais O Momento, Rio-Jornal, A Manhã, e na Revista Sul-Americana. Foi secretário dos jornais Diário da Tarde e O Estado e redator do Diário da Manhã. Tasso da Silveira fez parte da revista Festa, na fase inicial do Modernismo, ao lado de Cecília Meireles, Murilo Mendes, Andrade Muricy. Esse grupo divergia do nativismo exagerado de Mário de Andrade e Oswald de Andrade e alimentava a chama neo-simbolista. Entre suas principais obras estão: Fio d’água (1918), A alma heroica dos homens (1924), Alegorias do homem novo (1926), As imagens acesas (1928), O canto absoluto (1940), Cantos do campo de batalha (1945), Contemplação do eterno (1952), Puro canto (antologia, 1956), Regresso à origem (1960), Poemas de antes (1966).




Transfusão


Olho-te e olho-me... E, após, sobre nós ambos cismo...
Tua alma, como pôde a minha alma prendê-la?
És candura e inocência, e eu vou errando pela
noite negra do mal, da imperfeição, do egoísmo...

És pura e eu sou impuro. Entanto (o íntimo diz-mo)
nossa mútua afeição nada pode contê-la...
– Para o meu doido olhar és a atração da estrela.
– Ao teu ingênuo olhar sou a atração do abismo...

E havemos de fundir nossas almas, Querida.
E iremos, até soar da vida o último dobre,
como em dois corpos, vês? Uma alma bipartida...

Mas traremos, também, ao fim dos nossos dias,
– tu, um pouco do lodo imundo que me cobre,
– eu, um pouco da luz excelsa que irradias...


***



PERFEIÇão


Doida escalada!... O olhar nevoento e baço
vou subindo a montanha... E, dia a dia,
mais incerto e mais trêmulo é meu passo,
mais a dúvida enorme me angustia...

Cada degrau vencido é uma agonia.
Sonho... mas para a altura ainda ergo o braço.
Sofro! – agudo punhal, lâmina fria,
com que eu mesmo, sorrindo, me trespasso...

Ah! Terei de rolar esse declive
que vim galgando, quase morto, exausto,
vendo perdido o meu esforço em vão?

Ou chegarei, à força que em mim vive,
lá no alto, mas erguendo em holocausto,
roto e a sangrar, meu próprio coração?...




***



Carne

a Andrade Muricy


Para purificar-me eu me faço o verdugo
de mim mesmo, e me obrigo ao cilício da dor.
Luta improfícua! Em vão minhas forças conjugo:
sou vencido na liça... O instinto é o vencedor...

Debalde eu me revolto e os ímpetos subjugo,
à explosão do desejo em vão tento me opor.
Alma! Tu sofrerás do corpo o eterno jugo,
curva-te para sempre ao domínio opressor!
Carne, que me tornaste um rastejante verme!
Ah! Pudera fazer-te impassível e inerme:
– brasa que se apagou, sombra, extinto clarão...

Carne, que matarás o sonho que me exalta!
Negra barreira a erguer-se, intransponível,
alta no caminho lustral da minha Redenção!...




MARIA LÚCIA MARTINS (1966-2016)

Baiana da região de Jequié é licenciada em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e especialista em Educação Matemática e Psicopedagogia  Clínica e Institucional,  é também autora de muitos livros de poesia: Espaço perplexo (1985), Entre medos, brinquedos (1993), Tempo indômito (1990) e A condição do Pégaso (2004).









GARÇAS


Antes não havia garças. (Antes
                            dos ventos).
Restos de estrelas navegavam a noite
                            (a nuvem escura)
e se alvejavam em seixos e ossos.
                            À mesma noite
acrescentam-se sombras: eram as penas
                            e a plumagem.
As garças não eram feitas: surgiam. Leves,
                            feitas de vôo
(o vôo primeiro). Garças de asas
                            emendadas em asas,
as garças passam penhascos, além,
                            os prados cinza.
O verde inda é longe. Longe, as aves
                            adivinham a terra.
As garças descem (como atraídas) e
                            sentem a primeira
sede. A água compreendida pela
                            sede. Jamais
a informação da água: as garças gestadas
                            de puro vôo.
Nos ventos, o olhar enfastiou-se.
As garças buscam clarão de madrugadas
(ou de crepúsculos: nenhum sinal
por distinguir a cor das horas).
As garças pisam areias virgens
(imprimem sua chegada: a cruz aberta)
beiras de charcos, beiras de lagos,
restos de mar incendiados ao meio-dia.

Às vezes, as garças se animam
com o assovio dos ventos chamando
a noite. E dançam. Dançam o passado
cravado às asas. Nunca procuram
caminhos de volta: foram apagados.
 

***



AUSÊNCIA


Este meu jeito estranho
de olhar dentro de mim
e não passar nenhum encanto ao Téo,

este meu jeito canhoto
de estranhar o mar, o ar, o quarto,
e o nó, à garganta, travado
ao elevador,

dá-me a esperança de que nem tudo
é meu desajeito: é tua ausência mesmo,
refletida na curva do caminho
onde costumavas me esperar.


***


GOIABAS BRANCAS


                   Raízes se retorcem (imitam cobras)
                                                        cravadas no chão.
                   A copa faz a filigrana: os vazados verdes
                   das folhas, geometria dos galhos.

                   O sol, artesão diário, confere as goiabas
                   pelo cheiro (a polpa e o branco da casca).

                   Mil passarinhos bicam o verão
                                                        da goiabeira
                   e gritam, fartos, de mesmo alvoroço:
                   “Já é-vem, já é-vem, já é-vem...”
Querem apagar o sono da terra.

A noite se abre aos mistérios.
                   As ninfas (árvores de fartos cabelos
                   negros) se enfeitam de jóias de prata
                                                        — goiabas brancas —
                   enquanto se vestem de toda lua.



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

ALCENOR CANDEIRA FILHO (1947 - )

Alcenor Rodrigues Candeira Filho é poeta, advogado, professor universitário, ensaísta e crítico literário. Membro das Academias Parnaibana e Piauiense de Letras. Fez parte da diretoria da Academia Parnaibana de Letras. Entre suas obras, destacam-se: Sombras entre Ruínas, Rosas e Pedras, A Insônia da Cidade, Antologia Poética, Teoria do Texto e Outros Poemas









SOS


   sempre
   sós
   como ondas:
ontem hoje após.

   sempre
   sós
   somos:
eu e tu e vós...

quanto
   sobra
   são
   sombras
em torno de nós.

   sombras,
   só,
   quando
   e onde:
SÓS! SÓS! SÓS! SÓS!

   somos
   só
   nós
   sonhos
enquanto não pós.



***

SOMBRAS ENTRE RUÍNAS


Sombras e mais sombras
de sombrios olhares
num mundo de ruínas
andam lentamente.

Estão sempre mudas
tristes e cansadas.
E nem sonham mais
com um mundo que seja
menos miserável.

A voz que, aqui,
ali ou acolá,
de quando em vez
se levanta e quebra
a monotonia
grave do silêncio,
logo se esmaece
no deserto imenso.

E só ardentes preces,
ditas em segredo,
dia e noite sobem,
sobem para um céu
mais longe que perto.



***



DIANTE DA PORTA DA VIDA MORTA

Diante da porta
da vida morta,
devo sorrir
ou devo chorar?

Há deste lado
belas estrelas
que um dia talvez
possa alcançar.
Belas estrelas,
mas que me assombram
e fazem mal
ao meu olhar.
Por trás da porta
da vida morta,
em meio a um branco
transcendental,
o que haverá?
o que haverá?

Belas estrelas
dos meus assombros,
por gentileza
dizei-me vós:
diante da porta
da vida morta
devo sorrir
ou devo chorar?

TELMA DE FIGUEIREDO BRILHANTE (1956 - )

Telma de Figueiredo Brilhante é uma escritora cearense que mora em Recife, onde exercita sua capacidade criativa por meio das várias produções que traz a público: Contos chãoAflição de pássaro; Magia do instante; Crepúsculo das coisas;  O pequeno pescador. De família de intelectuais e militantes políticos, nos livros, ela desenvolve a consciência da escrita em forma de contos, poemas, ensaios.





VIII

Rompendo correntes
alma liberada voa
rumo ao infinito.

***



XXVII

De antigas vivências
apodrecida raiz
segredos esconde.

***


LIX

Bailado dos ventos
na celebração dos frutos
amadurecidos.

PETHIÒN DE VILLAR (1870-1924)

Egas Moniz Barreto de Aragão, mais conhecido como Pethion de Villar, médico, professor universitário e poeta, nasceu em Salvador no dia 4 de setembro de 1870, sendo seus pais Francisco Moniz de Aragão e Ana Lacerda Moniz de Aragão. Em 1895, concluiu o curso de medicina na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual recebeu o grau de doutor, depois de defender tese sobre Síntese da Medicina. Praticou o parnasianismo e dirigiu a Revista do Grêmio Literário. Fez parte da Academia de Letras da Bahia, onde ocupou a cadeira número 13 que tem como patrono Francisco Moniz Barreto. Portador de cultura invejável, faleceu no mesmo solar onde nasceu, deixando quatro filhos, todos poetas e conhecidos por seus respectivos pseudônimos. Produziu alentada bibliografia sobre assuntos científicos, filosóficos e literários, mas foi acima de tudo poeta. Em vida publicou apenas um folheto de 39 páginas sob o título Suprema Epopeia. Quatro anos depois de sua morte, a viúva Maria Elisa de Lacerda Valente Moniz de Aragão publicou em Lisboa Poesias Escolhidas e em 1975, o Conselho Federal de Cultura (MEC) publicou Poesia Completa.











MARINHA


Desce a Noite enrolada em brumas hibernais. . .
Trágica solidão, vago instante sombrio,
 em que, tonto de medo, o olhar não sabe mais
 onde começa o mar e onde acaba o navio. 

Nem o arfar de uma vaga: o mar parece um rio
 de óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,
 num zimbório de chumbo acaçapado e frio,
escondendo no bojo a alma dos temporais.  

Nem das águas no espelho o reflexo de um astro...
 Apenas o farol, no vértice do mastro,
rubra a pupila, a arder, dentro de uma garoa.  

E lá vai o navio, espectral, lento e lento,
como um negro vampiro, enorme e sonolento,
pairando sobre um caos de tênebras, à toa.


***



HARMONIA SUPREMA

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Irrompa finalmente
Do meu lábio covarde, alto, numa explosão
Fatal, de uma só vez este segredo ardente<
Assim como um rugido, assim como um clarão!

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Ó Verbo onipotente
Que se fez Carne! Ó doce e horrível confissão!
Asa que vem do Azul varrendo a Noite em frente,
Aleluia eternal, suprema Redenção!

Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo! Oh que aurora irradia
Desta frase ideal que anda a cantar, à toda...
Silêncio! Versos meus... parai vossa Harmonia!

Basta! A voz deste Amor que me enleva e me aterra!
Do meu Corpo à minha Alma, indômita, revoa
Como um raio de sol que prende o Céu à Terra.

***



S P L E E N  
                    ao Lelis Piedade. 

Eu não creio no Amor! toda essa fofa estética,
De hipérboles senis, de frases indiscretas
Que hoje até causa riso à gente mais dispéptica
E inda serve de capa à asneira dos poetas;

Toda esta bimbalhada estólida de prantos,
Que transfigura a Musa em chafariz eterno
E faz de cada tipo. o tipo dos encantos,
Tornando o Metro a-zêdo à força de ser temo; 

Tudo isto, neste fim de séc'lo, em que cada alma
Tem por farol o Gozo e por Deus o Dinheiro,
E o judeu Rothschild o mundo inteiro espalma; 

Tudo isto nada vale e prova o que eu já disse,
Cheio de um cepticismo intenso e verdadeiro:
O Verso é um bibelô, o Amor uma tolice... 


sábado, 30 de julho de 2016

A POESIA DO BRASIL EM EDIÇÃO ESPECIAL: "100 ANOS DE MANOEL DE BARROS"...


Cronologicamente vinculado à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, Manoel de Barros criou um universo próprio — subvertendo a sintaxe e criando construções que não respeitam as normas da língua padrão —, marcado, sobretudo, por neologismos e sinestesias, sendo, inclusive, comparado a Guimarães Rosa. Em 1986, o poeta Carlos Drummond de Andrade declarou que Manoel de Barros era o maior poeta brasileiro vivo. Antonio Houaiss, um dos mais importantes filólogos e críticos brasileiros escreveu: “A poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor”. Os poemas publicados nesta seleção fazem parte do livro Manoel de Barros — Poesia Completa Bandeira, editora Leya. Em dezembro deste ano, Manoel de Barros faria 100, se vivo estivesse. Mas, como a obra transcende ao homem, eis mais alguns dos poemas deste grande poeta mato-grossense...








O apanhador de desperdícios


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

***


O fazedor de amanhecer


Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.


***


Aprendimentos

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura
é o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.
Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs.
E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos
do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros
do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,
no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.
Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles —
esse pessoal.
Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.





quarta-feira, 22 de junho de 2016

TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA (1744-1810)

O poeta Tomás Antônio Gonzaga, patrono da cadeira no 37 da Academia Brasileira de Letras, nasceu na cidade do Porto, em Portugal. Era filho do brasileiro dr. João Bernardo Gonzaga e de dona Tomásia Isabel Clark. Passou parte da infância no Recife e na Bahia, onde o pai servia na magistratura e, adolescente, retornou a Portugal para completar os estudos, matriculando-se na Universidade de Coimbra, onde concluiu o curso de direito aos 24 anos. Depois de formado, exerceu alguns cargos de natureza jurídica e candidatou-se a uma cadeira na Universidade de Coimbra, apresentando a tese Tratado de Direito Natural. Em 1778, foi nomeado juiz-de-fora na cidade de Beja, com exercício até 1781. No ano seguinte, no Brasil, foi indicado para ocupar o cargo de Ouvidor Geral na comarca de Vila Rica (atual Ouro Preto), em Minas Gerais. Nessa época, o poeta, aos 40 anos, dedicava poesias a Maria Doroteia Joaquina de Seixas, de apenas 17 anos, que iriam fazer parte do livro Marília de Dirceu. A família da moça, muito tradicional, opunha-se ao romance, mas aos poucos a resistência foi cedendo. Em 1789, Tomás Antônio Gonzaga foi acusado de participação na Inconfidência Mineira. Detido, foi enviado para a Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, partindo depois para Moçambique, onde se casou com Juliana de Sousa Mascarenhas, filha de um rico comerciante de escravos, e teve um casal de filhos. Faleceu no exílio em dia desconhecido, no mês de fevereiro de 1810. Tomás Antônio Gonzaga, cujo nome arcádico é Dirceu, escreveu poesias líricas, típicas do arcadismo, com temas pastoris e de galanteio, dirigidas à sua amada, a pastora Marília. As "liras" refletem a trajetória do poeta. Antes da prisão, apresentam a ventura do amor e a satisfação com o momento presente. Depois, trazem o infortúnio, a justiça e o destino. As Cartas Chilenas correspondem a uma coleção de doze cartas, poemas satíricos que circularam em Vila Rica poucos antes da Inconfidência Mineira. Assinadas por Critilo (leia-se Gonzaga), habitante de Santiago do Chile (leia-se Vila Rica) e endereçadas a Doroteu (leia-se Cláudio Manuel da Costa), residente em Madri. Critilo narra os desmandos do governador chileno, o Fanfarrão Minésio (leia-se, Luís da Cunha Meneses). Por muito tempo, discutiu-se a autoria das Cartas Chilenas, mas após estudos comparativos da obra com possíveis autores, concluiu-se que o verdadeiro autor é Gonzaga.







MARÍLIA DE DIRCEU (PARTE I; LIRA XXIV)


Encheu, minha Marília, o grande Jove
De imensos animais de toda a espécie
As terras, mais os ares,
O grande espaço dos salobros, rios,
Dos negros, fundos mares,
Para sua defesa,
A todos deu as armas, que convinha
A sábia natureza.

Deu as asas aos pássaros ligeiros,
Deu ao peixe escamoso as barbatanas;
Deu veneno à serpente,
Ao membrudo elefante a enorme tromba,
E ao javali o dente.
Coube ao leão a garra;
Com leve pé saltando o cervo foge;
E o bravo touro marra.

Ao homem deu as armas do discurso,
Que valem muito mais que as outras armas;
Deu-lhe dedos ligeiros,
Que podem converter em seu serviço
Os ferros, e os madeiros;
Que tecem fortes laços,
E forjam raios, com que aos brutos cortam
Os vôos, mais os passos.

Às tímidas donzelas pertenceram
Outras armas, que têm dobrada força,
Deu-lhes a Natureza
Além do entendimento, além dos braços
As armas da beleza.
Só ela ao Céu se atreve;
Só ela mudar pode o gelo em fogo,
Mudar o fogo em neve.
Eu vejo, eu vejo ser a formosura,
Quem arrancou da mão de Coriolano
A cortadora espada.
Vejo que foi de Helena o lindo rosto,
Quem pôs em campo armada
Toda a força da Grécia.
E quem tirou o cetro aos reis de Roma?
Só foi, só foi Lucrécia.


Se podem lindos rostos, mal suspiram,
O braço desarmar do mesmo Aquiles;
Se estes rostos irados
Podem soprar o fogo da discórdia
Em povos aliados;
És árbitra da terra:
Tu podes dar, Marília, a todo o mundo
A paz, e a dura guerra.



***



CARTAS CHILENAS (CARTA III)



Em que se contam as injustiças e violências,
que Fanfarrão executou por causa de uma cadeia,
a que deu princípio.


(...)
Aqui, prezado Amigo, principia
Esta triste tragédia; sim prepara,
Prepara o branco lenço, pois não podes
Ouvir o resto, sem banhar o rosto
Com grossos rios de salgado pranto.
Nas levas, Doroteu, não vêm somente
Os culpados vadios; vem aquele,
Que a dívida pediu ao Comandante;
Vem aquele, que pôs impuros olhos
Na sua mocetona: e vem o pobre,
Que não quis emprestar-lhe algum negrinho,
Para lhe ir trabalhar na roça, ou lavra.

Estes tristes, mal chegam, são julgados
Pelo benigno Chefe a cem açoites.
Tu sabes, Doroteu, que as Leis do Reino
Só mandam, que se açoitem com a sola,
Aqueles agressores, que estiverem
Nos crimes quase iguais aos réus de morte:
Tu também não ignoras, que os açoites
Só se dão por desprezo nas espáduas;
Que açoitar, Doroteu, em outra parte,
Só pertence aos Senhores, quando punem
Os caseiros delitos dos escravos.
Pois todo este Direito se pretere:
No pelourinho a escada já se assenta,
Já se ligam dos Réus os pés, e os braços;
Já se descem calções, e se levantam
Das imundas camisas rotas fraldas;
Já pegam dous verdutos nos zorragues;
Já descarregam golpes desumanos;
Já soam os gemidos e respingam
Miúdas gotas de pisado sangue.
Uns gritam que são livres: outros clamam
Que as sábias Leis do Rei os julgam brancos:
Este diz, que não tem algum delito,
Que tal vigor mereça; aquele pede
Do injusto acusador ao Céu vingança.
Não afroxam os braços dos verdugos:
Mas antes com tais queixas se duplica
A raiva dos tiranos; qual o fogo,
Que aos assopros dos ventos ergue a chama.
Às vezes, Doroteu, se perde a conta
Dos cem açoites, que no meio estava:
Mas outra nova conta se começa.
Os pobres miseráveis já nem gritam.
Cansados de gritar, apenas soltam
Alguns fracos suspiros, que enternecem.
Que é isso, Doroteu? Tu já retiras
Os olhos do papel? Tu já desmaias?
Já sentes as moções, que alheios males
Costumam infundir nas almas ternas?
Pois és, prezado Amigo, muito fraco;
Aprende a ter o valor do nosso Chefe,
Que à janela se pôs, e a tudo assiste,
Sem voltar o semblante para a ilharga;
E pode ser, Amigo, que não tenha
Esforço para ver correr o sangue,
Que em defesa do Trono se derrama.
(...)


***

SONETO XIII



Quando o torcido buço derramava
terror no aspecto ao português sisudo,
quando, sem pó nem óleo, o pente agudo
Duro, intonso, o cabelo em laço atava;

Quando contra os irmãos o braço armava
o forte Nuno1, opondo escudo a escudo;
quando a palavra, que prefere a tudo,
com a barba arrancada, João2 firmava;

quando a mulher à sombra do marido
tremer se via; quando a lei prudente
zelava o sexo do civil ruído;

feliz então, então só inocente
era de Luso o reino. Oh! bem perdido!
Ditosa condição, ditosa gente! 

D. PEDRO II (1825-1891)

Dom Pedro II (Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança) nasceu no Palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, Brasil, no dia 02 de dezembro de 1825. Filho do Imperador Dom Pedro I e da Imperatriz Dona Maria Leopoldina. Ficou órfão de mãe com apenas um ano de idade. Com nove anos perdeu também seu pai. Era o sétimo filho, mas tornou-se herdeiro do trono brasileiro, com a morte de seus irmãos mais velhos. Cresceu aos cuidados da camareira-mor Dona Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, mais tarde condessa de Belmonte. No dia 2 de agosto de 1826, Dom Pedro foi reconhecido como herdeiro da coroa do império brasileiro. No dia 7 de abril de 1831, seu pai Dom Pedro I, que vinha enfrentando severa oposição política, acusado de favorecer os interesses portugueses no Brasil independente, abdica do trono e embarca de volta a Portugal, deixando Pedro como regente, com apenas cinco anos de idade. Para tutor de Pedro, seu pai nomeou José Bonifácio de Andrada e Silva. Com a abdicação e a menoridade do herdeiro do trono, foi eleita pela Assembleia, obedecendo à Constituição, uma Regência Trina até a maioridade de Dom Pedro. Estando o Senado e a Câmara de férias, foi eleita uma Regência Trina Provisória, que permaneceu de 7 de abril a 17 de junho de 1831. Em seguida foi eleita a Regência Trina Permanente, entre 1831 e 1835. A Regência Una de Feijó governou entre 1835 e 1837. E a Regência Una de Araújo Lima governou entre 1838 e 1840. Durante a menoridade, Dom Pedro teve aulas com diversos mestre ilustres, escolhidos por seu tutor José Bonifácio. Estudou caligrafia, literatura, francês, inglês, alemão, geografia, ciências naturais, pintura, música, dança, esgrima e equitação. Os liberais moderados governavam o País com dificuldades, enfrentando os que preferiam a República. Outro grupo queria a volta de Dom Pedro I. As crises se acumulavam. Em 1840 os conservadores mantinham a maioria parlamentar e fizeram aprovar a Lei de Interpretação do Ato Adicional que reduzia as conquistas feitas pelos liberais. Esses, inconformados começaram a luta pela maioridade do imperador, então com 15 anos. No dia 23 de julho de 1840, Dom Pedro II é coroado Imperador. O ato ficou conhecido como o Golpe da Maioridade. Os primeiros anos de reinado de Dom Pedro II foram de aprendizado político. Aplicava-se inteiramente aos negócios de Estado, exercia a risca a Constituição. Aos poucos o país se pacificava. No dia 3 de setembro de 1843, Dom Pedro II esperava no porto, sua futura esposa Teresa Cristina de Bourbon. O casamento era um arranjo político com Francisco I, rei das Duas Sicílias. Tiveram quatro filhos, mas só sobreviveram Isabel e Leopoldina. A vida na corte era calma. As portas do Palácio Isabel, hoje Palácio Guanabara, eram abertas quatro vezes por ano, ao corpo diplomático e à nobreza. No início de seu governo, Dom Pedro II fez viagens diplomáticas às províncias onde estavam ocorrendo conflitos. Em 1850, Dom Pedro II ainda não completara 25 anos, mas seu império já estava consolidado. A constituição de 1824, com as modificações introduzidas pelo Ato Adicional, dava ao Imperador um Governo quase autocrático. Mas Pedro II optou, sempre, pela moderação. Os partidos políticos do Império representavam a aristocracia rural e a técnica política do Imperador era revezar os partidos no poder. Essa política sobreviveu por quase vinte anos. Dom Pedro era acusado de dedicar mais tempo aos livros do que às questões políticas. O império que gozava de certa prosperidade econômica começou a perder o equilíbrio, com as guerras na região do Rio da Prata. As forças imperiais lutaram em 1850, contra Rosas e Oribe e em 1864 contra Aguirre. Em 1865, teve inicio a Guerra do Paraguai, que durou cinco anos e finalmente o Paraguai foi vencido. Ao terminar a guerra, o movimento abolicionista tomava impulso e no Rio de Janeiro fundava-se em 1870, o Partido Republicano. Na década de 70, Dom Pedro II viajou duas vezes à Europa, deixando sua filha a Princesa Isabel como Regente. Em ambos os momentos a princesa resolveu causas difíceis. Em 1871, assinou a lei do Ventre Livre e em 1875 foi resolvida a Questão Religiosa. Em 1886, Dom Pedro adoece e parte novamente para a Europa. No dia 13 de maio de 1888, com a Regência da Princesa Isabel, é assinado o decreto que acaba com a escravidão no Brasil. O ideal republicano que surgiu no Brasil em vários movimentos, como na Guerra dos Farrapos e na Revolução Praieira, só após a Guerra do Paraguai ressurgiu e se fortaleceu. No dia 15 de novembro de 1889, pela conjugação de interesses políticos, o governo imperial foi derrubado. Estava proclamada a República no Brasil. No dia seguinte organizou-se um Governo Provisório, que deu 24 horas para Dom Pedro deixar o país. Dom Pedro de Alcântara embarca com a família para Portugal. Era 17 de novembro de 1889, dois dias após a proclamação da República. Chegando em Lisboa no dia 7 de dezembro seguiu para o Porto, onde a imperatriz morreu no dia 28 do mesmo mês. Pedro, com 66 anos, segue sozinho para Paris, onde fica hospedado no Hotel Bedford, onde passava o dia lendo e estudando. As visitas à Biblioteca Nacional eram seu refúgio. Em novembro de 1891, doente não saia mais do quarto. Morreu no dia 5 de dezembro de 1891, em consequência de uma pneumonia. Seus restos mortais são transladados para Lisboa, e depositados no convento de São Vicente de Fora, juntos aos da esposa. Quando revogada a lei do banimento em 1920, os despojos dos imperadores foram trazidos para o Brasil e depositados na Catedral do Rio de Janeiro, em 1921. Em 1925, foram transferidos para Petrópolis.








NA MORTE DO MEU PROMOGÊNITO



Pode o artista pintar a imagem morta
da mulher a quem dera a própria vida;
E o amigo, na extrema despedida,
a imitar-lhe os exemplos nos exorta.

Casto e saudoso beijo inda conforta
a esposa que a ventura crê perdida;
mas dizer o que sente a alma partida
do pai a quem, ó DEUS, tua espada corta

a flor do seu futuro, — o filho amado,
quem o pode, Senhor? Si mesmo o Teu,
só morrendo, livrou-nos do pecado!...

A terra à voz do Gólgota tremeu:
e o sangue do cordeiro imaculado
até o próprio céu enegreceu!



***




TERRA DO BRASIL


Espavorida agita-se a criança,
de noturnos fantasmas com receio,
mas se abrigo lhe dá materno seio,
fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda a esperança
de volver ao Brasil; de lá me veio
um pugilo de terra; e nesta creio,
brando será meu sono sem tardança...

Qual o infante a dormir em peito amigo
tristes sombras varrendo da memória,
oh, doce Pátria, sonharei contigo!

E, entre visões de paz, de luz, de gloria,
Sereno, aguardei no meu jazigo,
a justiça de Deus na voz da Historia!




***


O POETA

(GOETHE)

Prefiro a solidão.  A minha austera Musa
sempre sentiu horror dessa turba insensata;
quero longe ficar da multidão confusa,
Que a um abismo fatal as almas arrebata!

Gosto de respirar os fluidos incolores
que no espaço derrama o astro soberano;
No seio da amizade ou de castos amores
Expande-se melhor meu estro sobre-humano.

O que além contra nós baixinho se murmura,
O que chegue a aspirar uma alma delirante,
Pode a verdade ser, mas poder loucura,
Que brilha muito, mas... se apaga num instante!


GERALDO CARNEIRO (1952 - )



Geraldo Eduardo Carneiro nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Três anos mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro. Poeta, publicou Na Busca do Sete-Estrelo (1974, Mapa Editora), Verão Vagabundo (1980, Editora Achiamê), Piquenique em Xanadu (1988, Espaço & Tempo, Prêmio Lei Sarney de melhor livro do ano), Pandemônio (1993, Arte Editora), Folias Metafísicas (1995, Editora Relume-Dumará), Por Mares Nunca Dantes (2000, Editora Objetiva), Lira dos Cinqüent’anos (2002, Relume-Dumará) e Como um cometa (infantil), (2009, IBEP Nacional). Lançou, em setembro de 2010, Poesia Reunida, Ed. Biblioteca Nacional/Ed. Nova Fronteira. Publicou ainda Vinicius de Moraes: A Fala da Paixão (1984, Brasiliense) e Leblon: A Crônica dos Anos Loucos (1996, Rioarte/Relume-Dumará). Lançou também a tradução de alguns sonetos de W. Shakespeare, na coletânea Sonhos da Insônia (1997, Impressões do Brasil), publicada em parceria com Carlito Azevedo. Escreveu mais de duas centenas de letras para músicas de Egberto Gismonti, Astor Piazzolla, Francis Hime, Wagner Tiso e outros, gravadas por diversos intérpretes, entre os quais os acima mencionados e mais Tom Jobim, Ney Matogrosso, Gal Costa, Olivia Byington, Miúcha, Fafá de Belém, Gal Costa, Lenine, Zé Renato, Zezé Motta, Vinicius de Moraes e Michel Legrand. Foi traduzido, radiofonizado e publicado em francês, inglês, espanhol e italiano. Também com Francis Hime, escreveu poemas para a cantata Carnavais, executada em 1988, e para a Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião, encomendada pelo Governo do Estado, que estreou em 2000, no Teatro Municipal. Escreveu artigos, poemas e ensaios para a maior parte das publicações brasileiras. Teve diversos textos teatrais encenados, originais e traduções, entre os quais A Tempestade e As You Like It, ambas de William Shakespeare (encenadas em 1982 e 1985, sendo a primeira publicada pela Relume-Dumará), A Bandeira dos Cinco Mil Réis (encenada em 1986, publicada em 1992), Manu Çaruê (ópera performática com música de Wagner Tiso, encenada em 1988). Escreveu roteiros de cinema, minisséries e participou da criação do programa Você Decide, do qual foi supervisor de texto. Adaptou diversas obras literárias para a TV, entre as quais a minissérie O Sorriso do Lagarto, de João Ubaldo Ribeiro, e especiais para as séries Brasil Especial e Brava Gente.






RECADO NO AVIÃO*


busco em você o sol do meu sistema
eu circulando sempre ao seu redor.
busco em você o bem e o mal de amor
o sonho o carnaval e a dor maior

não sei em que sessão, em que cinema
você nasceu do mar como sereia,
desde que encarnação você passeia
na Ipanema da imaginação

só sei que é cedo sempre que te vejo
e acendo o sol de que o desejo é feito
e fica aqui pairando e percebendo
que até agora o mundo era imperfeito





***


CANÇÃO DO EXÍLIO


o poeta sem sua plumagem
é um deus exilado do cosmo
strip-teaser metafísico
só lhe resta sambar no inferninho
                   do caos
sob os neons do nada
sempre nu diante do espelho
sem espelho diante de si



***



AUTORRETRATO DEPRÊ


não sei mais quase nada do que fui
toda a memória vai virando escombros.
hoje me reconheço mais nos outros
poetas que freqüento desde sempre.
a face deles segue imperturbada
enquanto eu sofro as erosões do tempo.
todo poeta nasce um pouco póstumo
como volúpia de vencer a morte.
a morte, esse ser vasto e corrosivo
que nos vai corroendo desde dentro



* Todos os poemas desta postagem foram uma sugestão de meu amigo e crítico literário Jessé de Almeida Primo