segunda-feira, 22 de outubro de 2012

EDIR PINA DE BARROS (1948 - )

Edir Pina de Barros nasceu em Ponta-Porã, hoje Mato Grosso do Sul. É filha do poeta Antonio Lycério Pompeo de Barros e Célia de Pina Pompeo de Barros, ambos nascidos em Cuiabá, mato Grosso. Residiu em várias cidades do interior dos estados de São Paulo e Mato Grosso  e, em  meados de 1964, chegou à Brasília, onde acabou a primeiro grau e cursou o segundo grau no Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM), da Universidade de Brasília. Nesta mesma instituição bacharelou-se em Ciências Sociais e obteve o grau de Mestre em Antropologia Social. Após residir entre os povos indígenas Kaiowá, Nãndeva, Terena (MS) e Bakairi (MT), ingressou como docente na Universidade Federal de Mato Grosso. Cursou o doutorado e o pós-doutorado em Antropologia Social na Universidade de São Paulo. Ministrou aulas na graduação e pós-graduação, orientando dissertações e teses nas áreas de Educação Pública e Saúde Coletiva. Foi membro de bancas avaliadoras de dissertações e teses em várias universidades brasileiras. Desde 1986 atua como perita de juízes em conflitos fundiários que envolvem terras indígenas e quilombolas, ampliando assim seus estudos e pesquisas a outros povos indígenas e comunidades rurais negras. Organizou livros, é autora de vários capítulos de livros e artigos em revistas nacionais e estrangeiras (Espanha, Argentina, Portugal, Polônia). Seu livro, Os Filhos do Sol: História e Cosmologia na Organização Social de um Povo Karib foi indicado ao Prêmio Jabuti 2004 (melhor livro de Ciências Sociais e melhor capa) pela Editora da Universidade de São Paulo, que o publicou no anterior.  É autora de mais três livros: Dois Mundos em Confronto,Vulnerabilidade Social, AIDS e Políticas Públicas (Saúde Indígena) e Karajá (Antropologia e Direito). Em 2001 foi homenageada pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso a título de “Reconhecimento pela dedicação à luta em defesa dos povos indígenas brasileiros”. Em 2010 voltou a morar em Brasília, onde reside. Dedica-se, sobretudo, à escrita de sonetos, mas escreve também cordéis, indrisos, rondeis, inclusive infantis. Algumas de suas poesias estão publicadas em antologias. Em 2011 publicou, em parceria com seu pai, Antonio Lycério Pompeo de Barros, o livro Luzes e Sombras (Poesias). Dois livros de sonetos estão em processo de organização: Seivas d’alma e Poesia das Águas.







ALTAMISA


Silêncio! Escuta a brisa que murmura,
e sobre as folhas rola e se desliza,
a balançar as flores d’altamisa,
tão perfumadas, prenhes de candura.

Tu podes escutar a doce brisa?
Ouvir a sua voz na noite escura?
Nas flores d’altamisa ela perdura
e faz juras d’amor, à sua guisa!

E com seu jeito firme, mas galante,
do modo que s’espera d’um amante,
nos braços d’altamisa caí, s’enlaça.

Ao alisar-lhe com seu jeito arfante,
nela roçando quando lento passa,
quanta mesura! Quanto garbo e graça!


***



DEVANEIOS

Bem que podias vir adormecer na rede
ouvindo o sabiá que canta na mangueira,
e tantos bem-te-vis que ciscam pela beira
e vem no pote meu matar a sua sede.

Na rede adormecer sentindo o doce cheiro
das flores a se abrir, soltando o seu perfume,
enquanto lá no céu a lua vem, relume,
e o vento a farfalhar nas folhas do coqueiro.

Bem que podias, sim, amanhecer no rancho
no qual sozinha estou a te esperar querido,
ouvindo, do regato, o seu doce queixume.

Sem ti eu sofro só, qual passarinho implume
sem ninho, sem lugar, sentindo-se perdido
diante da extensão do céu escuro e ancho.


***



BOI DE CANGA

O boi de canga que, cortando areia,
arrasta, sem cessar, a própria vida,
cumprindo o seu destino e a sua lida
gemendo pela estrada, que volteia;

o sangue vai fervendo em sua veia,
a sua dor profunda é desvalida,
roçando vai, a canga, na ferida,
no caminho, que o rio, além, ladeia.

Escravo, sem saída, sofre e chora,
ferindo, a dura canga,  o  seu pescoço
e nada vendo além das vis viseiras.

E na subida, a dor seu ser devora,
mas gemendo, fazendo grande esforço,
vai vencendo as mais íngremes ladeiras




MANOEL DE BARROS (1916 - )

Manoel Wenceslau Leite de Barros publicou seu primeiro livro de poesia, Poemas Concebidos Sem Pecado, em 1937. Formou-se bacharel em Direito no Rio de Janeiro, em 1941. Nas décadas seguintes publicou Face Imóvel (1942), Poesias (1946), Compêndio para Uso dos Pássaros (1961), Gramática Expositiva do Chão (1969), Matéria de Poesia (1974), O Guardador de Águas (1989), Retrato do Artista Quando Coisa (1998), O Fazedor de Amanhecer (2001), entre outros. A partir de 1960 passou trabalhar como fazendeiro e criador de gado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ao longo das décadas de 1980 e 1990 veio sua consagração como poeta. Em 1990 recebeu o Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Manoel de Barros é um dos principais poetas contemporâneos do Brasil. Em sua obra, segundo a crítica Berta Waldman, "a eleição da pobreza, dos objetos que não têm valor de troca, dos homens desligados da produção (loucos, andarilhos, vagabundos, idiotas de estrada), formam um conjunto residual que é a sobra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta incorpora, trocando os sinais".







SEIS OU TREZE COISAS QUE APRENDI SOZINHO



1
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

3
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

7
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

12
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

13
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos.


***

CANÇÃO DO VER NÚMERO 5

E com o seu olhar furado de nascentes
O menino podia ver até a cor das vogais -
como o poeta Rimbaud viu.
Contou que viu a tarde latejar de andorinhas.
E viu a garça pousada na solidão de uma pedra.
E viu outro lagarto que lambia
o lado azul do silêncio.


***

O PÊSSEGO


Proust
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em
orgasmo. Se diz que:
O olhar de voyeur tem condições de phalo
(possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da carne grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.

  

DORA RIBEIRO (1960 - )

Nascida em Campo Grande, capital do Estado do Mato Grosso do Sul, estreou-se em 1984 com Ladrilhos de Palavras. Dora Ribeiro viveu mais de 20 anos em Portugal. Recentemente, mudou-se para a China, numa aparente radicalização de seu temperamento errante e da condição de estrangeira. Em 1990 publicou Começar e o Fim e em 2000 reuniu esses livros aos inéditos Temporais e Bicho do Mato. Em 2002 publicou Taquara Rachada. Seu mais novo livro é A teoria do jardim.







O FUTURO DESCE CAVANDO...

O futuro desce cavando
obséquios por entre a memória
estala os dedos
numa apreensão esquecida
desce
fala a todas nossas indecisões
aconselha...


***



NA POESIA...


Na poesia
a palavra só ressoa depois
primeiro fala para dentro
numa fidelidade própria das coisas sem começo
nem fim

aqui
como nas Ruas
há caos e transparência
poucas saídas e urna só entrada.


***


TEMPORALE 2

quero te ver
dopo il temporale
quando o nosso silêncio
for uma palavra madura
e um lugar de descanso
longe das idéias de águas paradas...



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

BANDEIRA TRIBUZI (1927-1977)...

Bandeira Tribuzi, pseudônimo de José Tribuzi Pinheiro Gomes, foi o poeta que iniciou o Modernismo no Maranhão em 1948, com a publicação do livro de poesia Alguma Existência Ao lado do ex-presidente José Sarney, Luci Teixeira, José Bento, e outros escritores, fez parte de um movimento literário difundido através da revista que lançou o pós-modernismo no Maranhão, A Ilha, da qual foi um dos fundadores. Foi também junto com o ex-presidente o fundador do jornal O Estado do Maranhão. Entre seus principais livros de poemas, encontram-se: Alguma existência (1948); Rosa da Esperança (1950); Safra (1960); Pele & Osso (1970)...








ITINERÁRIO DO CORPO
a Afonso Felix de Sousa



I
O pequeno lugar predestinado:
cama – lençóis, colchão e travesseiro:
objetos banais pousados sobre
a armação de madeira para dois.

Pequeno apartamento de cidade!
Pequenos corpos e cansados despem-se,
despem roupas, sapatos, conveniências
à pequenina luz que afaga as coisas.

Estão nus, lado a lado, sobre o leito
e se entrelaçam para desafogo
de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

Talvez não saibam por que assim se prendem,
Já cantam sino pelo novo filho! 


II
Entre o campo de neve a vida fende-se
barbaramente, para dar passagem
à colheita que vem sem estações:
bicho da terra que se chama homem.

Nove meses guardado e construído
com silêncio, carne, sangue e esperança,
ei-lo que rasga o ovo e se apresenta
disforme, placentário, precioso.

Ela está como o campo após a ceifa.
De seus peitos já mana o claro líquido
onde a vida se côa como um filtro.

Olha o pequeno corpo que se deita
a seu lado, entre o sonho e a realidade,
e, brandamente, diz apenas: - Filho!


III
Infância triste, tempo de castigos
e doces ilusões mas sem brinquedo
que teus olhos encontram nas vitrines
e tua débil mão jamais alcança.

Porém o corpo vai rompendo elástico
pesar do tempo amargo em que floriste.
Teus olhos já se pousam sobre a vida
embora ignorando-lhe a inocência.

Assim, surgindo vens dos alimentos,
cuidados e remédios e o alicerce
da sapiência que são letra e número.

Assim te formas resumido corpo
que será de homem e continuará
brincando em nova trágica maneira.


IV
Resides entre o sonho e coisas ásperas,
a confusão do trágico e a rosa,
a escola, o emprego, o livro clandestino,
a refeição modesta, o sono limitado.

Teu corpo é apenas máquina de sexo
e coração: toda a razão de ser
está na amada, amada inconsistente:
olhos, cabelos, seios, agressivos

somente, mas tu a colocas lá
bem no centro do mundo e lhe declamas
baladas, vossos corpos se aproximam.

Entre comícios, agressões, revoltas,
pressa, atenção, estudo, devaneio,
estás defronte ao mundo e interrogas.


V
A resposta és tu mesmo: corpo de homem,
o sentimento e pensamento de homem,
passo seguro de homem, ombros de homem,
boca, face, palavra e gestos de homem.

O que sabes do mundo! Gestos mágicos
te multiplicam ao calor dos corpos.
Uma coragem funda, o olhar sábio,
avanças com o tempo e o constróis.

A noite existe – não a das carícias,
de sono leve, corpos repousando –
noite pesando sobre cada coisa.

Avanças bloqueado pela Noite
(há muitos, muitos corpos avançando)
e teus passos vão dar na madrugada.


VI
És fogo que se apaga lentamente.
Folhas que vão tombando despem a árvore.
Árvore a quem a seiva foi faltando,
tua missão se acaba e envelheces.

Teus olhos já cansados de aprender
formas, gestos e a grande cor do mundo.
Tua boca já cansada de alimentos,
de beijos, de palavras, de protesto.

Outros vêm substituir tua coragem
com novos braços para a mesma luta,
e passos fortes para o mesmo fim.

Tua hora vem chegando necessária.
O corpo se dissipa. Tua passagem
não terá vermes para devorá-la.


***


CONCLUSÃO PARA CONSOLO

Bicho da terra estás apenas morto.
Já a terra de que és bicho te recobre
e uma pequena flor acena, leve,
um pequenino adeus sobre teu túmulo.

Tua mulher jamais esquecerá
tua sólida figura. Nem teus filhos
que em si a reproduzem e prosseguem
tua presença em gestos e palavras.

O tempo que rompeu teu rude corpo
como inverno passando sobre o campo,
não cortou a semente indispensável.

Ele mesmo será propício à nova
árvore forte que sustém o mundo
e reverdece o chão da vida mágica.


***


PAISAGEM

Eis aqui um cão
e defronte um homem:
ambos o pão
da fome comem.
Olha o cão a vida
triste das pedras
(coitado do cão
que não pasta ervas)
e por fim já morde
o osso das trevas.

Olha a vida o homem
com saudade amarga.
Os olhos do homem
já não olham nada.
Só, em seus ouvidos
de carne fanada,
teimam os latidos
da morte e do nada.




VIRGINIA TAMANINI (1897-1990)

Virgínia Gasparini Tamanini nasceu na fazenda Boa Vista, no vale de Canaã, município de Santa Teresa, no Estado do Espírito Santo, filha de Epifânio Gasparini e Catarina Tamanini Gasparini, ambos nascidos na Itália e vindos, como imigrantes, pra o Brasil no século passado. Criada em fazenda, aprendeu as primeiras letras e adquiriu alguns conhecimentos equivalentes ao ensino elementar da época com professores particulares. Mais tarde, prosseguiu os estudos no Rio de Janeiro, sob a orientação de seu irmão Américo, que cursava a Faculdade Nacional de Direito, sendo que, ao final do segundo ano, interrompeu seus estudos por motivo de força maior, regressando à casa paterna. Autodidata persistente, continuou nos seus esforços por instruir-se, "dedicando todos os momentos de lazer ao estudo e à leitura." Desde cedo revelou inclinação para as letras, tanto que, ainda muito jovem, escreveu um romance folhetim Amor sem Mácula entre 1922 e 1923, publicado em capítulos semanais no jornal O Comércio, de Santa Leopoldina, usando o pseudônimo de Walkyria. Produziu em 1929, 1930 e 1931 as peças teatrais: Em pleno século vinte, Amor de mãe, Filhos do Brasil, O primeiro amor e Onde está Jacinto? levadas à cena com sucesso. Membro da Arcádia Espírito-santense, tomando parte ativa na organização da Primeira Quinzena de Arte Capixaba, realizada em Vitória, em 1947. Adaptou, encenou e dirigiu, no Teatro Carlos Gomes, a peça francesa Cristina da Suécia, em 1947. Em 1948, montou e dirigiu outra peça francesa, Atala, a última druidesa das Gálias. Pertenceu às seguintes entidades culturais: Academia Feminina Espírito-santense de Letras, como patrona da cadeira n. 3, Associação Espírito-santense de Imprensa, sócia-correspondente da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul. Recebeu o título de cidadã honorária de várias cidades capixabas, e é nome de rua em Ibiraçu-ES. Agraciada com a Ordem do Mérito Marechal José Pessoa, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, no grau de comendador. Aos 89 anos, ocupou a cadeira n. 15 da Academia Espírito-santense de Letras., cujo patrono é José Colatino do Couto Barroso. Seus poemas estão reunidos no volume Marcos do Tempo.








EU VIM ME DESPEDIR

Daqui olhando o espaço e a costa em fora,
É tão maravilhoso o que diviso,
Que creio ser assim o Paraíso,
Nem posso de outra forma o imaginar!

Por isso penso que Nossa Senhora,
Fugindo ao sopé, quis de improviso
Aparecer aqui, deixando o aviso
Da sua escolha para vir morar.

Sobre esta penha, sinto o pensamento
Arrebatado pela voz do vento,
E meus sentidos já não são mais meus.
Ao pé da rocha, se distende o mar...
Meus olhos descem para contemplar,
Minha alma sobe, para estar com Deus. 


***


ELA É DIFERENTE

Você conhece Vitória?
venha ver
que vai gostar.
É uma ilha bonita
com seu penedo gigante
se alevantando do mar.

Também cidade-progresso
de arranha céus dominantes
e que tem um tubarão
que aqui não come gente,
mastigando eternamente
o oligisto desfeito
cujo pó deve Ter asas
pois vem pousar, sem direito,
nos umbrais de nossas casas.

Uma coisa me aborrece:
nosso tempo é repartido,
relógio manda na gente,
não há mais tempo pra nada,
a vida agora é correr.
ninguém pode descansar.

E o povo se empurra
dizendo ter pressa
querendo chegar.
E às vezes não chega
nem mais vai voltar.
Os ônibus trançam
nas ruas estreitas
e os carros afoitos
se juntam se amassam
tentando avançar.
E às vezes nem chegam
a ultrapassar.
Eu fico pensando...
Vitória de ontem
Vitória de hoje
qual delas se ajusta
ao meu coração?

Ai que saudades
Do bondinho "Circular"!
Na Praça Oito a rodinha
de intelectuais sorrindo
e tirando o chapéu
ao cumprimentar.

Bons dias aqueles,
tranqüilos, de paz.
E a gente passando
e a gente sorrindo
e a gente vivendo...

Menino gritando
vendendo jornal

- Diáario! Gazeeeta! Olha a Gazeeeta!

(E fazia careta)
Moleque safado
mas era engraçado
e a gente parava
comprava o jornal.
Os olhos buscavam
notícias do dia.
Por isso uma vez
fiquei espantada
ao ler o que lia:
- Foi morto o Cauê
na Zona da Mata
de Minas Gerais.
Venderam seu todo
de pura hematita,
navios estrangeiros
virão carregar.
Vitória cresceu pequena
num estranho paradoxo...
E sendo grande e pequena
é fácil de entender.
Uma terra diferente,
bonita, rica, atraente,
só um tanto original.
E nesse barulho todo
de trabalho e confusão,
nos manjando pouco a pouco
tremenda poluição...
Mas isto não será nada,
vamos ganhar esta guerra
pois o mal também se acaba.
Como nos tempos de outrora
há de novo ressurgir
o céu limpo, a claridade,
a beleza, a paz, o amor,
neste chão que é minha terra
- minha terra capixaba! 


***



FOGO NA MATA

O fogo se alastra rugindo qual fera
sedenta de sangue ao baque da presa.
E nessa volúpia de gozo e braveza
o ventre escaldante revolve e descerra!

E abrange a amplitude, e rasga e se aferra,
lambendo raivoso, voraz na destreza!
E a mata se dobra, na rude grandeza,
tombando entre as chamas à face da terra.

Por entre o negrume crepita o braseiro,
e o pobre colono, de braços cruzados,
lamenta impotente a falta do aceiro...

Agora já é tarde. Pois nada mais resta
senão que trabalhos por força dobrados
e a triste saudade da verde floresta... 


WALTER RAMOS (1976 - )

Walter Ramos Arruda nasceu em Recife, é graduado em Letras. É editor de uma jovem e promissora editora pernambucana, a Editora Paés; mas levará algum tempo para publicar seus textos. Vive escrevendo... como compete a todo poeta.







DE_CADENCIAR


Fita vivamente a luz que imita o alabastro.
Viste pontos de fuga na fugacidade noturna;
entrelugares, risos em coro, divas de bronze,
pernoitadas nos lupanares - mobílias ocultas.
Urge a dor galopante a devorar as deidades.

Um quarto de tuas noites reservas à loucura;
na loja medíocre, confrades da mendacidade
sorvem torpores, vertem blasfêmia e espuma.
Carcaças vis morfadas em estátuas de Crack;
vagueiam cães no entorno das mesas chulas

mendigam as migalhas, habitam em angústia.
Saíste à tarde, não avisaste quanto a demora:
apearias a aurora, no bairro da Vista Obscura.
Fabularias sobre arte, morte; o mito de Marte.
& amanhecerias insone,
numa roda de putas.


***



MATUTINO

Segreda a manhã na claridade do dia;
enfeita a virtude de estar entre viventes
atenta em respeito ao pão diário e ao leite.
Impinge em alguém o sereno, o sublime
sem esforço um sorriso acontece.
Serve dos pulmões a forma inteira
exalta uma vez por dia a esfera celeste
jamais se lança em trevas completamente
(é a força agreste – o princípio da queda).
Em muitos dias não cabe a vida toda.
Um dia vem plena toda a vida inteira.
É mistério perene. Cada um é retalho
do tecido vasto. Um fio em cada astro.
Segreda: também tenho a minha estrela.


***


A POSE DAS CINZAS


No jubileu dos tempos, notívagos gritos transbordam a Cidade das Pedras Cantantes. Vozes rachadas, loquazes, emolduram semblantes inermes. Do nada a dizer, o medo, como fosse prisão. Na verbo-sangria o parapeito que oculta o cativeiro; dissimula do espírito a liberdade entre homens que debatem-se como vermes nos salões de açúcar decadentes, e espaços comezinhos massapés. Frações mínimas de idéias fumam rarefeitas à estratosfera no meio da algaravia. Enquanto platéias imberbes aplaudem; sem saber ao menos o quê.




quinta-feira, 11 de outubro de 2012

AFFOSO ÁVILA (1928-2012)

Affonso Celso Ávila Publicou seu primeiro livro de poesia, O Açude. Sonetos da Descoberta, em 1953. Na época, trabalhava como auxiliar de gabinete do então governador Juscelino Kubitschek e como colaborador dos periódicos Diário de MinasTendência e Estado de Minas. Nos anos seguintes, participaria da campanha de JK para presidente e se aproximaria dos poetas concretistas de São Paulo. Em 1961, saiu seu livro Carta do Solo; em 1963, era a vez de Frases-feitas. Em 1967, tornou-se colaborador da revista Invenção, do grupo concretista. Sua identificação com a poesia de vanguarda o levaria a retirar sua participação na I Bienal Nestlé de Literatura, em protesto aos ataques às vanguardas dos anos 60. Em 1991 recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Visto e o Imaginado (1990). Sua poesia, bastante influenciada pelo concretismo, caracteriza-se pela experimentação lingüística e pela forte presença temática do erotismo e do engajamento ideológico. Crítico e jornalista, fundador com Fábio Lucas, Rui Mourão e Fritz Teixeira de Salles, da revista Tendência. Organizador, por encargo da Reitoria da Universidade de Minas Gerais, da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em 1963. 







SONETO



Não vos traga tristeza a chuva fria
a se esgueirar nas tardes sem corola.
Sobe o chumbo (o sem cor) das coisas vivas
sufocando o clamor das vossas horas.

Sobre o ontem deitastes. Neve amiga
da pegada os sinais na terra afoga
(vede o exemplo da nuvem que destila
o fel de si na gota que se evola).

Sede o espelho, não mais.  O próprio nervo
se desfaça no plano de cristal
onde a imagem enfim se compreende.

Plenitude da origem e do termo
o nimbo vos ensine o largo mar.
Sereis então o grande indiferente.


***




CASTRAÇÃO


Com suas iníquas
máquinas de tédio
aprende o degredo
com seus chãos reversos

— com suas escumas
de vinagre e pasmo
celebra os opróbrios
com seu desamparo

— com suas sezões
de pejo e salsugem
arqueja os verões
com seus gozos rudes

— com suas ilhargas
de fuligem e asco
deslembra as novilhas
com seus curvos favos

— com suas obesas
barbelas de adorno
ostenta a vergonha
com seu grão roncolho.


***



O AÇUDE


Há neste açude lendas afogadas,
deuses dormindo o sono que os transcende.
Nenhuma sede irá buscá-lo incauta.
Nele, porém, dois cães vigiam sempre.

Não há peixes no açude, nem há vagas.
A seu apelo mudo na atende
O vento viajor das madrugadas.
O açude é um cemitério diferente.

Os mesmos cães na ladram. Pelo afã
Soment é que parecem-nos dois cães.
O açude é um muro longo, erguido em gelo,

Que por castigo os deuses sem destino
tornaram mausoléu, doando ao limo
o segredo final para rompê-lo.

ADALGISA NERY (1905-1980)

Nasceu no Rio de Janeiro, no antigo Distrito Federal. Perdeu a mãe aos 8 anos, estudou num colégio de freiras, de onde foi expulsa por defender as “órfãs”, que eram maltratadas na época por serem consideradas subalternas. Fez apenas o curso primário. Casou-se aos 16 anos com um vizinho, o pintor Ismael Nery — um dos precursores do Modernismo no Brasil. O casamento durou  até a morte do pintor, em 1934. Eles tiveram sete filhos, todos homens, mas somente o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram. Viúva aos 29 anos, foi trabalhar na Caixa Econômica. Em seguida, conseguiu um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em 1940 casou-se com o jornalista e advogado Lourival Fontes. Seguiu o marido em funções diplomáticas, em Nova York de 1943 a 1945 e como embaixador no México, em 1945. O casamento com Lourival durou 13 anos. A partir daí, tornou-se jornalista, escrevendo para o jornal Última Hora. Foi eleita deputada três vezes, tendo os direitos políticos cassados em 1969. Desamparada e pobre, morou  nos anos 1974 e 1975 em uma casa do comunicador Flávio Cavalcanti, em Petrópolis, onde viveu reclusa. Em maio de1976, sem ter doença alguma, resolveu internar-se numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. Em 1977, sofreu um acidente vascular cerebral e ficou afásica e hemiplégica. Faleceu em 07 de junho de 1980, solitária. Entre seus livros, encontram-se: Poemas, 1937; A mulher ausente (poemas), 1940; Og (contos), 1943; Ar do deserto (poemas), 1943; Cantos de angústia (poemas), 1948; As fronteiras da quarta dimensão (poemas), 1952; A imaginária (romance), 1959; Mundos oscilantes (poemas) 1962; Retrato sem retoque (crônicas), 1966; 22 menos 1 (contos), 1972; Neblina (romance), 1972; e Erosão (poemas), 1973.






Poema natural


Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.


***



EU TE AMO!!!

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


 ***


Cemitério Adalgisa

Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d'alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem.
Vida e morte,
Terra e céu,
Podridão, germinação,
Destruição e criação.




JORGE TUFIC (1930 - )

Tufic iniciou sua educação em sua cidade de origem, transferindo-se posteriormente para Manaus, onde concluiu os estudos. Em1976, foi agraciado com o diploma "O poeta do ano", prêmio concedido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, em reconhecimento à sua vasta e intensa atividade literária. Tem seu nome inserido em várias antologias, entre as quais destacam-se A Nova Poesia Brasileira, organizada em Portugal por Alberto da Costa e Silva, e A novíssima Poesia Brasileira, que Walmir Ayalalançou na Livraria São José, no Rios de Janeiro, em 1965. É sócio-fundador da Academia Internacional Pré-Andina de Letras, com sede em Tabatinga, no estado do Amazonas. Fez várias conferências literárias e é membro efetivo de algumas entidades culturais, tais como: Clube da Madrugada, Academia Amazonense de Letras, União Brasileira de Escritores (Seção do Amazonas) e Conselho Estadual de Cultura. Pertenceu à equipe da página artística do Clube da Madrugada, O Jornal e do Jornal da Cultura, da Fundação Cultural do Amazonas. Colabora em vários órgãos de imprensa, com especialidade no Suplemento Literário de Minas Gerais. Jorge Tufic é o autor da letra do Hino do Amazonas, contemplado que foi com o primeiro lugar em concurso nacional promovido pelo governador José Lindoso em 1980. Agendário de sombras é sua obra mais conhecida...







SONETO INGLÊS PARA ANIBAL BEÇA


Hoje sei que o meu tempo foi de algemas.
Atado ao mundo, pássaros de areia
se largaram de mim: lestos fonemas
trazem de volta o néctar que incendeia.
Habitante da noite, volta e meia
danço e cavalgo estranhas partituras.
Onde a poesia? Látego e correia
a suíte é rosa, música e nervuras.
A lua imensa bebe, nas alturas
todo o clarão que sobe dos teus dedos.
0 mar se expande em conchas e loucuras
solos e flautas contam seus segredos.

Tenda de Omar Khayyam, quem não te habita,
salsa-songo na pauta transfinita?



***



MAKUNAÍMA RECRIA O MUNDO


Depois das águas grandes,
o mundo ficou seco e oco.
Pedaços de carvão ficaram rolando no solo,
como ecos de pedras,
vozes de rio, gemidos de fogo.
Então, Makunaíma acordou.
E do barro de sua vigília
retirou aquele homem, sua forma de barco,
seu peito cavado.

No outro lado de Roraima
seus feitos continuaram.
Homens e mulheres foram sendo mudados
em rochas, antas e javalis.
Perto de Koimelemong, um cervo
mergulha na terra a cabeça-de-pedra.
Sobre uma grande onda na Serra de Aruaiang,
pousa uma cesta de luar.
A Serra do Mel parece conduzir
um silêncio de aragem
e vai sem ter vindo.

Muitas dessas pedras se elevam
No país dos ingleses, assim como peixes
E uma cesta que imita, por baixo,
Um perfil de mulher.

A savana da Serra de Mairani
são braços, pernas e cabeça
de um ladrão de urucu.
Aí também se entreabrem umas nádegas de pedra.
Cachoeiras acima,
o movimento dos peixes adentra na rocha.

Uma pedra chamada Mutum
canta como este
 quando alguém vai morrer.
vespas gigantes construíram suas casas
e zumbem na base mais profunda da serra.

Aqui fora, Makunaíma dá os últimos retoques
Nos bichos domésticos.
Depois disso ele deita na terra molhada
e se deixa esvair em milhares de seres
que nadam para o rio. 



***



PROSPECÇÃO


Ninguém te vê.
Só os ventos te penetram.

Ninguém que esteja saciado
ou faminto
necessita de ti.

Neste exato sem nome
reintegra-te à nuvem que passa
e ao canto das aves.

o poeta, já o disse,
é um ser transparente.

Invicto. Desnecessário
entre porcos, hienas
e outros viventes

solidariamente incompletos.