quinta-feira, 11 de outubro de 2012

AFFOSO ÁVILA (1928-2012)

Affonso Celso Ávila Publicou seu primeiro livro de poesia, O Açude. Sonetos da Descoberta, em 1953. Na época, trabalhava como auxiliar de gabinete do então governador Juscelino Kubitschek e como colaborador dos periódicos Diário de MinasTendência e Estado de Minas. Nos anos seguintes, participaria da campanha de JK para presidente e se aproximaria dos poetas concretistas de São Paulo. Em 1961, saiu seu livro Carta do Solo; em 1963, era a vez de Frases-feitas. Em 1967, tornou-se colaborador da revista Invenção, do grupo concretista. Sua identificação com a poesia de vanguarda o levaria a retirar sua participação na I Bienal Nestlé de Literatura, em protesto aos ataques às vanguardas dos anos 60. Em 1991 recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Visto e o Imaginado (1990). Sua poesia, bastante influenciada pelo concretismo, caracteriza-se pela experimentação lingüística e pela forte presença temática do erotismo e do engajamento ideológico. Crítico e jornalista, fundador com Fábio Lucas, Rui Mourão e Fritz Teixeira de Salles, da revista Tendência. Organizador, por encargo da Reitoria da Universidade de Minas Gerais, da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em 1963. 







SONETO



Não vos traga tristeza a chuva fria
a se esgueirar nas tardes sem corola.
Sobe o chumbo (o sem cor) das coisas vivas
sufocando o clamor das vossas horas.

Sobre o ontem deitastes. Neve amiga
da pegada os sinais na terra afoga
(vede o exemplo da nuvem que destila
o fel de si na gota que se evola).

Sede o espelho, não mais.  O próprio nervo
se desfaça no plano de cristal
onde a imagem enfim se compreende.

Plenitude da origem e do termo
o nimbo vos ensine o largo mar.
Sereis então o grande indiferente.


***




CASTRAÇÃO


Com suas iníquas
máquinas de tédio
aprende o degredo
com seus chãos reversos

— com suas escumas
de vinagre e pasmo
celebra os opróbrios
com seu desamparo

— com suas sezões
de pejo e salsugem
arqueja os verões
com seus gozos rudes

— com suas ilhargas
de fuligem e asco
deslembra as novilhas
com seus curvos favos

— com suas obesas
barbelas de adorno
ostenta a vergonha
com seu grão roncolho.


***



O AÇUDE


Há neste açude lendas afogadas,
deuses dormindo o sono que os transcende.
Nenhuma sede irá buscá-lo incauta.
Nele, porém, dois cães vigiam sempre.

Não há peixes no açude, nem há vagas.
A seu apelo mudo na atende
O vento viajor das madrugadas.
O açude é um cemitério diferente.

Os mesmos cães na ladram. Pelo afã
Soment é que parecem-nos dois cães.
O açude é um muro longo, erguido em gelo,

Que por castigo os deuses sem destino
tornaram mausoléu, doando ao limo
o segredo final para rompê-lo.

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