quinta-feira, 31 de maio de 2012

LUCIA FONSECA (1966 - )

Começou a escrever regularmente no início da década de 70, publicando poemas em suplementos literários de alguns jornais. Em 1980 aparece o primeiro livro, Invenções do Silêncio, pela Livraria José Olympio Editora. Nesse mesmo ano recebe o Prêmio Emílio Moura da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais, com Rede Fluvial, publicado em 83, também pela José Olympio. O Paraíso era antes é o oitavo trabalho e o primeiro em que aparece como ilustradora. É casada, tem três filhos e três netos, a quem o referido livro é dedicado. Publicou outros livros em poesia, romance e memórias, participando ainda de antologias e livros de contos...




RESÍDUO

Palavras brotaram desconexas e esparsas.
Sua seiva era de lágrimas.
Incompreensível.
E rosas são as que ficaram fenecendo
em meus jardins de pasmo.
Caules se inclinam, se adelgaçam
no crescer, no confiar.
Verde-tenro se quebram, estalando leve,
choram seiva.
Navios se afastam do cais
e brechas surgem onde o corpo afunda
nutrindo vazios.

De tudo que fomos de caules,
de pequenas pedras, de penugem;
de tudo que fomos de sutil e tênue,
de troca de pólen e seiva,
de pequena ternura;
de tudo que fomos de fremir de abelhas,
de corola e aquiescência e espanto,
resta esse campo desolado na manhã
coberto de geada e assombro.



***


ESTRADA

Por todas as curvas do caminho
há sempre um paraíso perdido,
um amor abortado
um podia ter sido
aberto em flores vermelhas.

Adiante o que é: áspera dormida estrada branca.


***



TEMPO

Vê-se a noite. Os relógios calam.
Um pêssego apodreceu no aparador.
O tempo põe manhãs nos dias, flores em cada primavera,
o que se vê é a morte.
E flores roxas como gritos,
insônias e febres.
A criança constrói de espanto balbucio e olhar,
constrói de leite pétalas internas.
Os relógios calam.
A vida nos vive, garganta aberta.
E a luz que pousa sobre a lua
vai perseguida por um véu de sombra
— caçada.
O tempo põe manhãs nos dias, flores em cada primavera.
Um pêssego apodreceu no aparador.
O que se vê é a morte. Os relógios calam.








TEÓFILO DIAS (1854 – 1889)

Teófilo Odorico Dias de Mesquita foi um advogado, jornalista e poeta brasileiro, sobrinho de Gonçalves Dias e Patrono na Academia Brasileira de Letras. Filho do advogado Odorico Antônio de Mesquita, e da irmã do poeta Gonçalves Dias, D. Joana Angélica Dias de Mesquita. Sua formação inicial deu-se de 1861 a 74, em São Luís, capital do estado, no Instituto de Humanidades. Mudou-se então para o Rio de Janeiro, onfe morou, albergado no Convento de Santo Antônio, por cerca dois anos (1875-76), realizando os exames preparatórios para o curso de Direito, onde efetivamente ingressa, em 1877. Neste período na então capital do país relaciona-se com muitos intelectuais, como Alberto de Oliveira, Artur de Oliveira, Aluísio Azevedo, Benjamin Constant, José do Patrocínio e Machado de Assis. Cursando a Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, conclui a formação em 1881. Ao largo da advocacia, exerce o jornalismo, colaborando com os jornais Província de São Paulo e A República, e ainda na Revista Brasileira, de José Veríssimo. Em 1878 participa da chamada "Batalha do Parnaso", formada por escritores que, no Rio e em São Paulo, reagiam contra o romantismo, sob influência de Artur de Oliveira. Foi, também, professor de Gramática Filosófica e Francês, no Colégio Aquino. Casara-se, em 1880, com Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada, da família de José Bonifácio, com quem teve dois filhos: Gabriela Margarida e Teófilo. Ingressa na política, pelo Partido Liberal, elegendo-se deputado provincial em 1885, em mandato que durou até o ano seguinte. Manuel Bandeira assinala: "A estética parnasiana cristalizou-se entre nós depois da publicação de 'Fanfarras', de Teófilo Dias, livro em que o movimento anti-romântico começa a se definir no espírito e na forma dos parnasianos franceses, já esboçados em alguns sonetos de Carvalho Júnior...” Entre suas obras estão: Flores e Amores, Caxias, 1874; Cantos Tropicais", São Paulo, 1878; Fanfarras, São Paulo, 1882; Lira dos Verdes Anos, São Paulo, 1878; A comédia dos deuses, São Paulo, 1888.






A ESTÁTUA

Fosse-me dado, em mármor de Carrara,
Num arranco de gênio e de ardimento,
Às linhas do teu corpo o movimento
Suprimindo, fixar-te a forma rara,

Cheio de força, vida e sentimento,
Surgira-me o ideal da pedra clara,
E em fundo, eterno arroubo, se prostrara,
Ante a estátua imortal, meu pensamento.

Do albor de brandas formas eu vestira
Teus contornos gentis; eu te cobrira
Com marmóreo cendal os moles flancos,

E a sôfrega avidez dos meus desejos
Em mudo turbilhão de imóveis beijos
As curvas te enrolara em flocos brancos.


***


A NUVEM

Sulcas o ar de um rastro perfumoso
que os nervos me alvoroça e tantaliza,
quando o teu corpo musical desliza
ao hino do teu passo harmonioso.

A pressão do teu lábio saboroso
verte-me na alma um vinho que eletriza,
que os músculos me embebe, e os nectariza,
e afrouxa-os, num delíquio langoroso.
.
E quando junto a mim passas, criança,
revolta a crespa, luxuosa trança,
na espádua arfando em túrbidos negrumes,
.
naufraga-me a razão em sombra densa,
como se houvera sobre mim suspensa
uma nuvem de cálidos perfumes!


***


ASCENSÃO

Trago ao peito uma flor de fogo estilhaçada.
Cerro os olhos num leito e abro os olhos num horto ...
Em pânico atirara a suprema cartada
e entre os mortos sou vivo e entre os vivos sou morto...

Réu, vítima e juiz na consciência culpada
ante impasses fatais, mendigando conforto,
náufrago desditoso em pávida jangada,
ora ali, ora além, ao léu, sem luz, sem porto!

Por onde agora vou, aceito o estudo insano,
no pó da Terra, o lar de Deus!... Na dor da espera,
a lei de Amor!... No umbral do Espaço, o fim do engano!...

E endereço ao futuro a esperança perdida,
no azul de novo céu, no albor de nova era,
de cruz em cruz, de sol em sol, de vida em vida!...

RAUL BOPP (1898 – 1984)


Fundou, por volta de 1917, os seminários O Lutador e Mignon, em Tupanciretã RS. Cursou Direito, entre 1918 e 1925, em Porto Alegre, Recife, Belém e Rio de Janeiro; cada ano letivo foi freqüentado em uma capital. Percorreu longamente a Amazônia, na década de 1920. Em 1922 participou na Semana de Arte Moderna, em São Paulo SP. Dois anos depois, passou a integrar os movimentos Pau-Brasil e Antropofágico, com Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Antônio Alcântara Machado. Em 1931 lançou Cobra Norato, seu primeiro livro de poesia e um dos mais importantes do Modernismo. Foi jornalista e diplomata; entre 1942 e 1973 viveu em Los Angeles (EUA), Berna (Suíça), Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. No período, publicou os livros em prosa América, Notas de um Caderno Sobre o Itamaraty, Movimentos Modernistas no Brasil: 1922/1928, Memórias de um Embaixador, Bopp Passado a Limpo por Ele Mesmo, Vida e Morte da Antropofagia e Longitudes, entre outros. Fazem parte de sua obra poética Urucungo (1932), Poesias (1947), Mironga e Outros Poemas (1978), entre outros. Raul Bopp é um dos nomes fundamentais da primeira geração do Modernismo. Murilo Mendes afirmou que "Cobra Norato é o documento capital dessa ruptura de um poeta que, tendo viajado tanto e conhecido culturas tão diferentes, permaneceu tipicamente brasileiro e levou a termo, em pleno século XX, o que os outros descobridores do Brasil tinham tentado em vão desde o início do século XVII. Na linguagem, Bopp, forjador de um léxico saboroso, fundiu sabiamente vozes indígenas e africanas, alterando a sintaxe, sem cair nos exageros e preciosismos de Mário de Andrade."





TAPUIA


As florestas ergueram braços peludos para esconder-te
A tua carne triste se desabotoa nos seios
recém-chegados do fundo das selvas.

Pararam no teu olhar as noites do Amazonas
mornas e imensas
E no teu corpo longo.
ficou dormindo a sombra das cinco estrelas do Cruzeiro.

O mato acorda no teu sangue
sonhos de tribos desaparecidas
- filha de raças anônimas
que se misturam em grandes adultérios!

E erras sem rumo assim pelas beiras do rio
que os teus antepassados te deixaram de herança

O vento desarruma os teus cabelos soltos
e modela o vestido na intimidade do teu corpo exato.

À noite o rio te chama.

Chamam-te vozes do fundo do mato.

Então entregas à água
demoradamente
como uma flor selvagem
ante a curiosidade das estrelas.




***


Coco de Pagu

Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-côco quando passa.
Coração pega a bater.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Passa e me puxa com os olhos
provocantissimamente.
Mexe-mexe bamboleia
pra mexer com toda a gente.

Eli Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Toda a gente fica olhando
o seu corpinho de vai-e-vem
umbilical e molengo
de não-sei-o-que-é-que-tem.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.

Quero porque te quero
Nas formas do bem-querer.
Querzinho de ficar junto
que é bom de fazer doer.

Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.
 


***



Monjolo
Chorado do Bate-Pilão



Fazenda velha. Noite e dia
Bate-pilão.

Negro passa a vida ouvindo
Bate-pilão.

Relógio triste o da fazenda.
Bate-pilão.

Negro deita. Negro acorda.
Bate-pilão.

Quebra-se a tarde. Ave-Maria.
Bate-pilão.

Chega a noite. Toda a noite
Bate-pilão.

Quando há velório de negro
Bate-pilão.

Negro levado pra cova
Bate-pilão.



quarta-feira, 23 de maio de 2012

ALCEU WAMOSY (1895 – 1923)


Nasceu em Uruguaiana (RS), em 14 de fevereiro de 1895; e faleceu em Livramento (RS), em 13 de setembro de 1923. Publicou seu primeiro livro de poesia, Flâmulas, em 1913. Na época já trabalhava como colaborador no jornal A Cidade, fundado por seu pai, em Alegrete (RS). A partir de 1917, tornou-se proprietário do jornal O Republicano, apoiando o Partido Republicano. Continuou colaborando para diversos periódicos, como os jornais A Notícia, A Federação, O Diário e a revista A Máscara. Alfares republicano, lutou na Revolução Federalista, combatendo em Santa Maria Chica, Pontes do Ibirapuitá e Ponche Verde, onde foi ferido — ferimento este que provocaria a sua morte. Publicou as obras poéticas Na Terra Virgem (1914) e Coroa de Sonho (1923). Postumamente foram publicados Poesias Completas (1925), pela editora Globa, e Poesia Completa (1994), em Porto Alegre, na “Coleção Memória”, da EDIPURCS. Poeta simbolista, Alceu Wamosy escreveu poemas cheios de desencanto, em uma produção que se destacou no sul do país e que é uma das obras mais significativas do Simbolismo brasileiro, sendo o seu soneto “Duas Almas” um dos mais belos produzido em língua portuguesa. 








DUAS ALMAS

a Coelho da Costa

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...



***



IDEALIZANDO A MORTE

Morrer por uma tarde assim como esta tarde:
Fim de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando o lago adormece, e o vento está repouso,
e a lâmpada do sol no altar do céu não arde.

Morrer ouvindo a voz da minha mãe e a tua,
rezando a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e no rosto, e nas mãos, palidezes de lua.

Morrer com a placidez de uma flor que se corte,
com a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte,
— beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.

E morrer... E levar com a vida que se trunca,
tudo que de doçura e amargor teve a vida:
— O sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e o segredo de amor que eu não te disse nunca!


***



SONHO HUMILDE

Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.

Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais alta do que o mal, para além do pecado.

O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
à ilusão, que nos torna o desejo risonho.

Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!





BÁRBARA HELIODORA (1758 – 1819)


Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira foi uma das poetisas brasileiras assim reconhecida. Foram seus pais o Dr. José da Silveira e Sousa e D. Maria Josefa Bueno da Cunha. Para alguns estudiosos, era descendente de uma das famílias paulistas mais ilustres: a de Amador Bueno, o aclamado. Alvarenga Peixoto e Bárbara Heliodora viveram juntos por algum tempo, e só se casaram, por portaria do bispo de Mariana, de 22 de dezembro de 1781, quando Maria Ifigênia, filha do casal, já contava três anos de idade. Desta união nasceram quatro filhos. Para Aureliano Leite em "A Vida Heróica de Barbara Heliodora", "ela foi a estrela do norte que soube guiar a vida do marido, foi ela que lhe acalentou o seu sonho da inconfidência do Brasil ... quando ele, em certo instante, quis fraquejar, foi Barbara que o fez reaprumar-se na aventura patriótica. Disso e do mais que ela sofreu com alta dignidade, fez com que a posteridade lhe desse o tratamento de Heroína da Inconfidência".A poetisa viveu entre a vila de Campanha da Princesa e a de São Gonçalo de Sapucaí. O capitão-de-mar e guerra Alberto C. Rocha, no artigo publicado (sob as iniciais A.C.R.) em 11 de outubro de 1931, em A Opinião de S. Gonçalo do Sapucaí, explica as razões da decretação da demência de Bárbara: com o propósito de se livrar da ameaça de seqüestro e execução, ela "vendeu", por escritura de 27 de julho de 1809, os bens que ainda lhe restavam ao seu filho José Eleutério de Alvarenga. Ora, tal manobra, ao que parece, prejudicava a Fazenda Real; para que fosse anulada a citada escritura, Heliodora foi declarada demente.






SONETO

Amada filha, é já chegado o dia,
em que a luz a razão, qual tocha acesa,
vem conduzir a simples natureza:
 - é hoje que o teu mundo principia.

A mão, que te gerou, teus passos guia;
despreza ofertas de uma vá beleza,
e sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do Filho de Maria.  

Estampa na tua alma a Caridade,
que amar a Deus, amar aos semelhantes,
são eternos preceitos da Verdade.  

Tudo o mais são idéias delirantes;
procura ser feliz na Eternidade,
que o mundo são brevíssimos instantes.


***



CONSELHOS A SEUS FILHOS

Meninos, eu vou dictar
As regras do bem viver,
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz sabios é o pensar.

Neste tormentoso mar
D'ondas de contradicções,
Ninguem soletre feições,
Que sempre se ha de enganar;
De caras a corações
A muitas legoas que andar.

Applicai ao conversar
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos,
E também podem fallar:
Ha bixinhos escondidos,
Que só vivem de escutar.

Quem quer males evitar
Evite-lhe a occasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguem os procurar;
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudencia ferrar.

Não vos deixeis enganar
Por amigos, nem amigas;
Rapazes e raparigas
Não sabem mais, que asnear;
As conversas, e as intrigas
Servem de precipitar.

Sempre vos deveis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem, que ratos velhos
Não ha modo de os caçar:
Não batam ferros vermelhos,
Deixem um pouco esfriar.

Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto
Pé de banco de um brilhar,
Que seja sabio piloto
Nas regras de calcular.

Se vos mandarem chamar
Pâra ver uma funcção,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar:
Assim se entende o rifão.
Quem está bem, deixa-se estar.

Devei-vos acautelar
Em jogos de paro e tópo,
Promptos em passar o copo
Nas angolinas do azar:
Taes as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.

Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr virgulas nem pontos,
E póde quem conta os contos,
Mil pontos accrescentar;
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.

Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer
Mâs temer por muito amar,
Santo temor de offender
A quem se deve adorar!

Até aqui pode bastar,
Mais havia que dizer;
Mâs eu tenho que fazer,
Não me posso demorar,
E quem sabe discorrer
Póde o resto adivinhar.


***




O SONHO

Oh que sonho! Oh! que sonho eu tive n'esta,
Feliz, ditosa e socegada sésta!
Eu vi o Pão de Assucar levantar-se
E no meio das ondas transformar-se
Na figura de um indio o mais gentil,
Representando só todo o Brazil.
Pendente ao tiracol de branco arminho
Concavo dente de animal marinho
As preciosas armas lhe guardava;
Era thesoiro e juntamente aljava.
De pontas de diamante eram as setas,
As hásteas d'oiro, mas as pennas pretas;
Que o indio valeroso altivo e forte
Não manda seta, em que não mande a morte,
Zona de pennas de vistosas côres
Guarnecida de barbaros lavores,
De folhetas e perolas pendentes,
Finos chrystaes, topazios transparentes,
Em recamadas pelles de sahiras,
Rubins, e diamantes e saphiras,
Em campo de esmeralda escurecia
A linda estrella, que nos traz o dia.
No cocar... oh que assombro! oh que riqueza!
Vi tudo quanto póde a natureza.
No peito em grandes letras de diamante
O nome da augustissima imperante.
De inteiriço coral novo instrumento
As mãos lhe occupa, em quanto ao doce accento
Das saudosas palhetas, que afinava,
Pindaro americano assim cantava.

Sou vassallo e sou leal,
Como tal,
Fiel constante,
Sirvo á glória da imperante,
Sirvo á grandeza real.
Aos elysios descerei
Fiel sempre a Portugal,
Ao famoso vice-rei,
Ao illustre general,
Ás bandeiras, que jurei,
Insultando o fado e a sorte,
E a fortuna desigual,
Qu'a quem morrer sabe, a morte
Nem é morte, nem é mal.



H. DUBAL (1927 – 2008)


Hindemburgo Dobal TeixeiraNasceu no dia 17 de outubro de 1927, na cidade de Teresina, capital do estado do Piauí. Além de poeta, foi cronista e professor, tendo formação de bacharel em Direito (1952), pela Faculdade de Direito do Piauí. Destacou-se como um dos fundadores do Movimento Meridiano, atuando como diretor da revista de mesmo nome, revista Meridiano, que, de acordo com o crítico literário e antologista Assis Brasil, foi um porta-voz dos modernos escritores piauienses em meados do século XX. Funcionário público concursado, aposentou-se como auditor fiscal do Tesouro Nacional. Segundo o crítico literário Francisco Miguel de Moura, H. Dobal começou a repercutir seu nome nacionalmente ao publicar na imprensa literária do Rio de Janeiro, participando da Antologia dos Poetas Bissextos Contemporâneos, organizada em 1964 (2ª edição) por Manuel Bandeira. Publicou seu primeiro livro, O Tempo Conseqüente, em 1966 e com a segunda obra, O Dia Sem Presságios(1970), conquistou o Prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro. Sobre O Tempo Conseqüente, já dizia Manuel Bandeira: “Poeta ecumênico, chamou Odylo a Dobal no seu tão belo e compreensivo estudo apresentando o novo poeta. Mas eu prefiro dizer o poeta total, o poeta por excelência ... Só mesmo um poeta “ecumênico” como Dobal podia fixar a sua província com expressão tão exata, a um tempo tão fresca e tão seca, despojada de quaisquer sentimentalidades, mas rica do sentimento profundo, visceral da terra.” H. Dobal faleceu em Teresina, no dia 22 de maio de 2008.







Inverno

Um horizonte de chuvas demorado
de seus duros verões levanta os campos
e o inverno se faz de tantas noites
onde se pede o curso dos riachos

A pastagem rasteira retocada
pelas ovelhas da manhã não cresce
nesses perdidos campos da memória
onde um menino vive a sua infância

Cresce na solidão de outros meninos
se preparando agora para o exílio
de estrangeira cidade onde mais tarde

confinados ao sonho pensarão
no abôio das chuvas na doçura
dos campos transformados pelo inverno.


***



Crepúsculo

Silencioso
Solitário
Sinistro
Um sol-poente
Celebra o suicídio da tarde.


***



A Morte

A morte aparece
sem fazer ruído.

Senta-se num canto
fica indiferente
com seu ar de calma
absoluta.
Mira longamente
o quarto o retrato
a cama os remédios
postos entre os livros
sobre a mesa escura.

Depois se levanta
sem nenhuma pressa
sem impaciência
retorna ao seu mundo
a morte, de gestos
claros e serenos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ODORICO TAVARES (1912 - 1980)


Foi jornalista, escritor, poeta e colecionador de arte. Era pernambucano e em 1942 radicou-se na Bahia, onde a convite de Assis Chateaubriand, veio dirigir as empresas do conglomerado Diários e Emissoras Associados que, na Bahia, possuía os jornais Diário de Notícias, Estado da Bahia e a Rádio Sociedade da Bahia e, mais tarde, a TV Itapoan. Em Salvador ele logo se integrou entre os escritores, artistas e intelectuais baianos. Em 1944, organiza, com o escritor Jorge Amado (1912 - 2001) e o gravador paulista Manoel Martins, a primeira exposição de arte moderna brasileira brasileira na Bahia, promovida pela seção da Bahia da Associação Brasileira de Escritores, na Biblioteca Pública de Salvador. Em 1947, faz diversas reportagens para a revista O Cruzeiro, depois reunidas no livro Bahia, Imagens da Terra e do Povo, de 1951. Ilustrado por Caribé, o livro é premiado com a medalha de ouro na 1ª Bienal Internacional do Livro e Artes Gráficas de São Paulo, em 1961. Para a reportagem, escrita por ocasião do cinqüentenário da Guerra de Canudos, Tavares viajou pela região percorrida pelo escritor Euclides da Cunha (1866 - 1909) na Bahia, acompanhado pelo fotógrafo francês Pierre Verger.






VOLTA À CASA PATERNA


Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!

Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.


***




ITINERÁRIO COM JOÃO


Vi João no deserto
se alimentando de gafanhotos.
Depois encontrei-me com ele
nas margens do Jordão
batizando o Cristo.
Estive também com ele
nas prisões de Herodes
onde os carrascos do tirano
cortaram  a cabeça de João
e levaram na bandeja
para Salomé.

Fomos nos encontrar
de novo na Igreja de Timbaúba
onde ele desceu do altar
com o seu carneirinho
para brincar com o grupo
dos meninos de que eu fazia
                                      parte
e outro que chegou atrasado
chamado Luciano.

Era noite fria
da véspera
do aniversário de João
e o grupo de meninos
estava acendendo a fogueira
soltando os balões
soltando os foguetes
e João se lembrou das
                   brincadeiras
com o seu primo Jesus.



***


ÁFRICA


A avezinha vôou em busca do ninho.
Os cabelos da mata-virgem estão ficando erectos
A alma dos filhos do Congo
vai fugir nas asas das gaivotas
porque os maós chegaram
estabelecendo as suas tabas
e bebendo o seu sangue.

A mata-virgem está muda e medrosa
e os batuques perderam as mãos.
Só se ouve o arrastar de ferros
da grande corrente
que enlaça a pobre África.
Do bojo dos navios os olhos fogem
para as paisagens dos grandes lagos
e os acenos rítmicos das palmeiras
recebem a lágrima da reça...

  



CLÁUDIA BARRAL (1978 - )


Nascida em Salvador e radicada em São Paulo, Cláudia Barral é formada em Interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia e atua em diversos campos da produção literária, como dramaturga, roteirista, contista e poetisa. Na sua produção em dramaturgia destacam- se O Cego e o Louco (Prêmio Copene 2000, com versão roteirizada para a TV Cultura em 2007), Cordel do Amor sem Fim (Prêmio Funarte 2004, com versão roteirizada para a TV Anísio Teixeira em 2010), O Terceiro Sinal (Texto escrito em comemoração aos 50 anos da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, em 2007). Em seu trabalho como dramaturga envolvida com a criação dirigida de grupos de teatro, Cláudia acumula, entre outras, colaborações com o Núcleo do Teatro Castro Alves (Dias de Folia, 2010) e com a Casa Laboratório (Estudo sobre o Urbano / Figurantes, 2008). Entre as diversas montagens, filmagens e leituras encenadas de seus textos teatrais, no Brasil e na Itália, somam-se as participações de artistas como José Lewgoy, Cacá Carvalho, Paulo Gracindo Júnior, Othon Bastos, Mel Lisboa e Francisco Medeiros. É autora do livro de poemas O coração da baleia (P22, 2011)








JANELA ACESA


 A moça se inclina sobre o parapeito,
silêncio, flor branca guardada.

Perdida de mim, a moça ausente me olha.
É a minha alma que ela espreme entre os dedos ferozes.

A moça habita o azul,
entre nuvens, anjos e pássaros, seu rosto sem sol.

Suspensa nos olha, atrás da vidraça, seu nicho de santa,
sua vida que eu não conheço.

De longe eu a vejo, princesa do céu,
enquanto estou preso em mim.


***



POUSO

Para me aninhar nos teus braços percorri mil oceanos,
As águas profundas de mim mesma.
Até dormir a teu lado passei as noites em claro,
Percorri os subterrâneos.
Para ver os teus olhos tive que descobrir os meus,
Meus olhos pousados sobre pedras quentes.
Chegar a ti foi tudo o que fiz. E foi o bastante. 


***


PEQUENA VALSA PARA O FUNERAL DAS HORAS.


Se eu pudesse, minha irmã, ouvir o que ela ouvia
Quando olhava, em silêncio, os relógios, seus ponteiros a girar.
Se eu pudesse escutar o som que eles faziam,
O tempo que existia, quando o tempo costumava a caminhar.
As mulheres costumavam engordar,
Os homens desatavam a beber,
Os velhos tinham o hábito de morrer,
E o tempo não parava de passar.
Se eu pudesse acompanhar seus olhos que seguiam
As horas que morriam quando outras começavam a nascer.
Se eu pudesse escutar que o som do que ela via
Era um tal barulho imenso que podia, em silêncio, ensurdecer.
Quando ainda era cedo.
Quando ela ainda podia ficar.
Quando ela ainda queria me ver.
E o tempo não parava de passar.


ANTÔNIO RISÉRIO (1953 - )


Antonio Risério é poeta, escritor e antropólogo. Fez política estudantil em 1968, mergulhou na viagem da contracultura, editou revistas de poesia experimental na década de 70 e escreveu para a imprensa brasileira. Teve suas parcerias poético-musicais gravadas por diversas estrelas da música popular brasileira, como Caetano Veloso. Integrou a equipe que coordenou a implantação da televisão educativa na Bahia, foi um dos criadores e diretores da Fundação Gregório de Mattos, concebeu e dirigiu o Centro da Referência Negromestiça (Cerne). São de sua autoria os argumentos e roteiros para a série O povo brasileiro, adaptação para a televisão da obra de Darcy Ribeiro.  Dentre os seus livros, destacam-se: Carnaval Ijexá - notas sobre os blocos e afoxés do novo carnaval afrobaiano, 1981; O poético e o político (em parceria com Gilberto Gil), 1988; Caymmi - uma utopia de lugar, 1993; Textos e tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros, 1993; Avant-garde na Bahia, 1996; Oriki Orixá, 1996; Ensaio sobre o texto poético em contexto digital, 1998; e A Via Vico e outros escritos, 2000. Seus poemas foram reunidos em Fetiche (Fundação Casa de Jorge Amado, 1996).Tem poemas editados em antologias no Brasil e no exterior.  Pela Versal Editores, publicou Adorável Comunista e Uma História da Cidade da Bahia.





  
ORIKI DE XANGÔ I

Lasca e racha paredes
Racha e crava pedras de raio
Encara feroz quem vai comer
Fala com o corpo todo
Faz o poderoso estremecer
Olho de brasa viva
Castiga sem ser castigado
Rei que briga e me abriga


***


VIA PAPUA

desamarra a quilha, canoa
desamarra a quilha
e voa

(vai pelo ar
pelo mar
e sobre a ilha;
voa sobre o que
se armadilha)

mas voa leve, canoa
e leva uma estrela
na ponta da proa

cruza o mar, a névoa
o peito, a boca, a língua
almas que invadem nuvens
dobras de angra e de íngua

(mas voa leve, canoa
há uma estrada inteira
na ponta da tua proa)

e que o ar mais leve a leve
e faça das algas do céu
a minha única
e exclusiva
coroa,

canoa.



***




ARTE POÉTICA

na serra da desordem
no piracambu tapiri
em cada igarapé do pindaré
em cada igarapé do gurupi
existe uma palavra
uma palavra nova para mim