ESPETÁCULO
para Paulo de Tarso, Odete e o pequeno Nikolas
O salto mortal
é meu número especial
nesta tarde de domingo.
Não temo o trapézio
por não saber voar
sobre as cabeças
que torcem para a corda arrebentar.
Quando muito,
abro a tarde
falando ao respeitável público
que farei a mágica final
de desaparecer
sem nunca ter sido
visto por ninguém.
***
PRATICIDADE
PRATICIDADE
Abro o guarda-chuva japonês
cinza
em cima da minha cabeça
e caminho em direção ao banco.
Pagarei minhas contas
olharei os olhos vermelhos
da moça do caixa
e observarei suas unhas claras.
Conversarei com outros clientes
sobre a vida
e direi que o governo é culpado de tudo.
Nunca mais esquecerei
esta mulher de boca acesa
na fila
atrás de mim.
Sairei depois à rua
e me sentirei um magnata
fora do tempo.
Encontrarei à manhã
vizinhos tristes
e direi palavras desnecessárias.
Enfim
sou um homem prático.
Já posso matar-me sem remorso.
***
ESTAR
Esferográficas cortam palavras
no céu da boca, como facas:
assim, letras inertes cedem ao tempo
e calam sílabas agudas.
Pouco áspero
será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto,
a poesia na xícara de veneno.
Pouco o nítido sentir
o líquido
de teu pressentimento
como se fosse possível
calar para sempre.
Nada senão a gilete enfiada na pele,
a face neutra do olhar enfermo:
enfim a planta na raiz de teu pomar,
enfim
o fim da espera, do estar.
ESTAR
Esferográficas cortam palavras
no céu da boca, como facas:
assim, letras inertes cedem ao tempo
e calam sílabas agudas.
Pouco áspero
será o gomo de teu verso,
esse avesso do gesto,
a poesia na xícara de veneno.
Pouco o nítido sentir
o líquido
de teu pressentimento
como se fosse possível
calar para sempre.
Nada senão a gilete enfiada na pele,
a face neutra do olhar enfermo:
enfim a planta na raiz de teu pomar,
enfim
o fim da espera, do estar.
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