quarta-feira, 25 de julho de 2012

BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)



Bernardo Guimarães formou-se Bacharel em Direito em São Paulo, no ano de 1852. No mesmo ano, era publicado Cantos da Solidão, seu primeiro livro de poesia. Em São Paulo, conviveu com Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e José Bonifácio, o Moço. Entre 1858 e 1861 viveu no Rio de Janeiro, onde trabalhou como jornalista e crítico literário no jornal Atualidade. Em 1965 publicou o livro Poesias. Exerceu as funções de professor do ensino secundário em Ouro Preto e Queluz, e de juiz municipal em Catalão, Estado de Goiás. A partir de 1869, publicaria dez romances pela Editora Garnier, entre eles A Escrava Isaura (1875). Em 1876 foi publicado Novas Poesias; seguiram-se Folhas do Outono (1883) e Elixir do Pajé, A Origem do Mênstruo, A Orgia dos Duendes (1888). Na época em que participou da criação da Sociedade Epicureia, Bernardo Guimarães teria introduzido no Brasil o bestialógico (ou pantagruélico), que se tratava de poesia cujos versos não tinham nenhum sentido, embora bem metrificados. Usando do burlesco, o satírico e o nonsense, esta poesia faz de Bernardo Guimarães um precursor brasileiro do Surrealismo, conforme Haroldo de Campos. Recusou o título de barão, oferecido pelo Imperador D. Pedro II, em 1881. Poeta da segunda geração do Romantismo brasileiro, Bernardo Guimarães tematizou, como seus contemporâneos, a pátria e a natureza; porém é por sua poesia humorística, por vezes obscena, que se singularizou. Herança do satanismo de sua fase juvenil e boêmia, seus poemas erótico-satíricos, como A Origem do Mênstruo, evidenciam-se no panorama romântico da época.




EU VI DOIS PÓLOS...


Eu vi dos pólos o gigante alado
sobre um montão de pálidos coriscos,
sem fazer caso dos bulcões ariscos
devorando em silêncio a mão do fado.

Cinco fatias de tufão gelado,
figuravam na mesa entre os petiscos,
envolto em crepe de fatais rabisco
campeava o sofisma ensangüentado.

Quem és? Que assim me cercas de episódios
lhe perguntei com voz de silogismo,
brandindo um facho de trovões serôdios!

Eu sou, me disse, aquele anacronismo
que a vil caterva de sulfúricos ódios,
nas trevas sepultei de um solecismo.


***



ILUSÃO DESFEITA




"Oh! acredita, nunca olhar de virgem
Coou-me n'alma tanto ardor assim;
Nunca amor me sorriu com tanta graça
Em lábios de carmim!

"Tu és o anjo sonhado que minha alma
Aos céus pedia; - a flor que em meus caminhos
Encontrei a sorrir pura e fragrante
Do mundo entre os espinhos.

"Pio romeiro, irei aos pés depor-te
Oferenda singela, porém fida;
A ti a lira e o coração do bardo!...
A ti a minha vida.

"Cantar-te as graças, e mandar teu nome
Unido ao meu aos séculos vindouros,
Seria para mim melhor que um trono,
Melhor que mil tesouros.

"Porém passar meus dias a teu lado,
Ouvir-te as falas, contemplar-te o riso,
Gozar teus mimos, fôra para esta alma
Melhor que o paraíso!"

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Assim dizia-te eu naquele dia,
- O mais doce talvez da minha vida,
Em que na meiga luz desses teus olhos
Minha alma vi perdida.

Foi um sonho fugaz; - breve delírio.
De novo tenho o coração vazio;
E se no peito meu a mão pousares,
Achá-lo-ás bem frio!..

Caíste enfim da região de encantos,
A que meus puros sonhos te elevaram;
Desfez-se o talismã; - foram-se enganos,
Que outrora me embalaram.

Perdeste um coração que te adorava...
Porém que importa? se por um, que esfria,
Mil outros corações após teus risos
Vão correndo à porfia.

Mas não receies que eu maldiga aquela
Que num momento a vida me dourara;
E que num pego de emoções bem doces
Outrora me entranhara.

Oh! não receies, não, que eu te maldiga;
Graças a ti, aprendo hoje por fim
A não crer tanto nos fagueiros risos
De uns lábios de rubim.

Proveitosa lição nos fica n'alma,
Quando a ilusão se esvai:
Deixa um fruto no ramo, em que nascera
A flor, que murcha e cai.





A ORIGEM DO MÊNSTRUO

De uma fábula inédita de Ovídio, achada
nas escavações de Pompéia e vertida
em latim vulgar por Simão de Nuntua.



'Stava Vênus gentil junto da fonte
fazendo o seu pentelho,
com todo o jeito, pra que não ferisse
das cricas o aparelho.

Tinha que dar o cu naquela noite
ao grande pai Anquises,
o qual, com ela, se não mente a fama,
passou dias felizes...

Rapava bem o cu, pois resolvia
na mente altas idéias:
- ia gerar naquela heróica foda
o grande e pio Enéias.

Mas a navalha tinha o fio rombo,
e a deusa, que gemia,
arrancava os pentelhos e, peidando,
caretas mil fazia!

Nesse entretanto, a ninfa Galatéia,
acaso ali passava,
e vendo a deusa assim tão agachada,
julgou que ela cagava...

Essa ninfeta travessa e petulante
era de gênio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor
atira-lhe um calhau...

Vênus se assusta. A Branca mão mimosa
se agita alvoroçada,
e no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
tremenda navalhada.

Da nacarada cona, em sutil fio,
corre pupúrea veia,
e nobre sangue do divino cono
as águas purpurcia...

(É fama que quem bebe dessas águas
jamais perde a tensão
e é capaz de foder noites e dias,
até no cu de um cão!)

- "Ora porra" - gritou a deusa irada,
e nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
uma risada solta.

A travessa menina mal pensava
que, com tal brincadeira,
ia ferir a mais mimosa parte
da deusa regateira...

- "Estou perdida!" - trêmula murmura
a pobre Galatéia,
vendo o sangue correr do rósco cono
da poderosa déia...

Mas era tarde! A Cípria, furibunda,
por um momento a encara,
e, após instantes, com severo acento,
nesse clamor dispara:

"Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
um crime como este?!

Assim, por mais de um mês inutilizas
o vaso das delícias...
E em que hei de gastar das longas noites
as horas tão propícias?

Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício...
Em mísero abandono,
que é que há de fazer, por tanto tempo,
este faminto cono?...

Ó Adonis! Ó Júpiter potentes!
E tu, mavorte invito!
E tu, Aquiles! Acudi de pronto
da minha dor ao grito!

Este vaso gentil que eu tencionava
tornar bem fresco e limpo
para recreio e divinal regalo
dos deuses do Alto Olimpo.

Vede seu triste estado, ó! Que esta vida
em sangue já se esvai-me!
Ó Deus, se desejais ter foda certa
vingai-vos e vingai-me!

Ó ninfa, o teu cono sempre atormente
perpétuas comichões,
e não aches quem jamais nele queira
vazar os seus colhões...

Em negra podridão imundos vermes
roam-te sempre a crica
e à vista dela sinta-se banzeira
a mais valente pica!

De eterno esquentamento flagelada,
verta fétidos jorros,
que causem tédio e nojo a todo mundo,
até mesmo aos cachorros!"

Ouviu-lhe estas palavras piedosas
do Olimpo o Grão-Tonante,
que em pívia ao sacana do Cupido
comia nesse instante...

Comovido no íntimo do peito,
das lástimas que ouviu,
manda ao menino que, de pronto, acuda
à puta que o pariu...

Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
de concha alabastrina,
que quatro aladas porras vão tirando
na esfera cristalina

Cupido que as conhece e as rédeas bate
da rápida quadriga,
co'a voz ora as alenta, ora co'a ponta
das setas as fustiga.

Já desce aos bosques onde a mãe, aflita,
em mísera agonia,
com seu sangue divino o verde musgo
de púrpura tingia...

No carro a toma e num momento chega
à olímpica morada,
onde a turba dos deuses, reunida,
a espera consternada!

Já Mercúrio de emplastros se a aparelha
para a venérea chaga,
feliz porque naquele curativo
espera certa a paga...

Vulcano, vendo o estado da consorte,
mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
celestes abalou...

Sorriu o furto a ciumenta Juno,
lembrando o antigo pleito,
e Palas, orgulhosa lá consigo,
resmoneou: - "Bem-feito!"

Coube a Apolo lavar dos roxos lírios
o sangue que escorria,
e de tesão terrível assaltado,
conter-se mal podia!

Mas, enquanto se faz o curativo,
em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
com beijos e com abraços.

Depois, subindo ao trono luminoso,
com carrancudo aspeto,
e erguendo a voz troante, fundamenta
e lavra este DECRETO:

-"Suspende, ó filha, os lamentos justos
por tão atroz delito,
que no tremendo Livro do Destino
de há muito estava escrito.

Desse ultraje feroz será vingado
o teu divino cono,
e as imprecações que fulminaste
agora sanciono.

Mas, inda é pouco: - a todas as mulheres
estenda-se o castigo
para expiar o crime que esta infame
ousou para contigo...

Para punir tão bárbaro atentado,
toda humana crica,
de hoje em diante, lá de tempo em tempo,
escorra sangue em bica...

E por memória eterna chore sempre
o cono da mulher,
com lágrimas de sangue, o caso infando,
enquanto mundo houver..."

Amém! Amém! com voz atroadora
os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amém! Amém! Sussurram.

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