segunda-feira, 19 de agosto de 2013

LAURINDO REBELO (1826-1864)

O médico, professor e poeta, Laurindo José da Silva Rabelo, nasceu no Rio de Janeiro, em 8 de julho de 1826, e faleceu na mesma cidade, em 28 de setembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 26, por escolha do fundador Guimarães Passos. Era filho do oficial de milícias Ricardo José da Silva Rabelo e de Luísa Maria da Conceição, ambos mestiços e gente humilde do povo carioca. Cresceu nas maiores privações, das quais só veio a se libertar nos últimos anos de sua vida. Pretendendo seguir a carreira eclesiástica, cursou as aulas do Seminário São José e recebeu as ordens, mas abandonou o seminário por intrigas de colegas. Fez estudos na Escola Militar, outra vez tentando em vão fazer carreira. Ingressou no curso de Medicina no Rio, concluindo-o na Bahia, em 1856, vindo porém defender tese na cidade natal. Em 1857, ingressou como oficial-médico no Corpo de Saúde do Exército, servindo no Rio Grande do Sul, até 1863. Neste ano voltou ao Rio, como professor de história, geografia e português no curso preparatório à Escola Militar. Em 1860, casara-se com D. Adelaide Luiza Cordeiro, e só a partir de então pôde livrar-se da pobreza que lhe marcou a existência. Atacado por uma afecção cardíaca, faleceu, aos 38 anos de idade. Caracterizou-o, desde os anos de estudante, a maneira espontânea e desengonçada de viver. Por sua compleição física bizarra, a imaginação popular deu-lhe o apelido de "o poeta lagartixa". Viveu na boêmia, e aquele ambiente o estimulava literariamente. Como poeta satírico, era justamente temido e respeitado; teve amigos e, também, inimigos acérrimos, por causa dessa feição do seu talento, chegando a ser perseguido. Como repentista e improvisador, era popular e bem recebido em todos os salões. Fechavam os olhos à sua indumentária desleixada, só para ouvir o poeta e ver as cintilações daquele espírito. Em muitas das suas composições vibra também a nota de melancolia. Foi cognominado "o Bocage brasileiro". Pertencia ao período romântico. 







BEIJO DE AMOR


Se me queres ver ainda,
Recobra da vida a flor;
Deixa remoçar-me a vida
Um beijo de teu amor.

De minha vida a ventura
Teus lábios guardam consigo,
Dá-me um só beijo e verás
Se é mentira o que eu te digo.

Como a flor, do sol a um beijo,
Se quiseres, podes ver,
A minh'alma, semimorta,
Num teu beijo reviver.


De minha vida a ventura, etc.

Só esperá-lo me alenta,
Me conforta o fado meu;
Imagina só por isso
Quanto pode um beijo teu.


De minha vida a ventura, etc.



***



O GÊNIO E A MORTE


I

Sobre as asas de fogo
Da águia ardente que no espaço voa,
Saudado pelo cântico das aves,
De flores perfumado,
Entre nuvens de púrpura - risonho
Nos céus assoma o dia.
O exército dos astros afugentam
Seus coruscantes raios;
E passeia garboso pelo espaço,
Como triunfador pela campina,
Donde expulsara as hostes inimigas.
Lá no meio da arena do triunfo,
Como um olho de Deus devassa o mundo:
As plantas que a manhã de vida enchera,
Com seu intenso ardor, bárbaro cresta -
Qual jovem indiscreto, em loucos dias
De vulcânica idade,
No coração desseca, mata, extingue
Sentimentos que a infância alimentara...
Da glória ao grau supremo
Subiste, ó rei; humilha-te - vassalo
Também és do Senhor - descer te cumpre.
Ei-lo que abdicou - Já vai tardio
Pela estrada do ocaso, e já tristonha
Lhe escorre pelo rosto a luz enferma!
Sobre leito de chumbo se reclina, -
E, no momento extremo,
Seus olhos chamejantes
Extremo olhar saudoso à terra volvem.
Último arranco!... Cai desfalecido
Nos braços do crepúsculo.
Morreu o dia; - e a noite piedosa
Em seu manto de dó lhe envolve o túmulo.


II

Que é feito, ó Primavera,
Das frescas odoríferas grinaldas
Que a fronte te adornavam?
Murchas caíram; jazem esmagadas
Aos pés de gelo do caduco inverno!
Os pomos sazonados,
Que pendiam das árvores frondosas,
Orgulho e pompa dos alegres prados,
Ei-los dispersos pelo chão molhado
Do pranto que em tristeza o céu derrama,
Ao ver-lhe a fronte merencória e pálida,
Debruçada do cume das montanhas,
Com lágrimas saudar do sol os raios,
Qual mísero vivente, a quem torturam
As galas da alegria.
Beijada pelos zéfiros - c'roada
De viçosas capelas, - pelos bosques,
Jardins, e prados, e alcantis dos montes,
Eu a vi passear; - vi toda a terra
De flores se cobrir, trajar verduras,
Ao toque de seus passos;
Vi... mas mudou-se da estação ridente
O quadro encantador; - e já bramidos
Dos desatados temporais proclamam -
Que é morta a Primavera.


III

Morrem as estações, morrem os tempos!
Morrem os dias, como as noites morrem:
Também acaba o homem -
E o Anjo do extermínio, desdenhoso,
Encara estultas pompas, que distinguem
O servo do senhor, o rei dos povos;
E fazendo correr-lhes pelas frontes
A rasoura da morte, traça o nível.
Que cabe aos homens todos.
Tudo no mundo expira:
Só sobranceiro à lousa o Gênio altivo
Nos vôos acompanha a eternidade!
Soberbo em seu poder persegue a morte,
E consegue vencê-la,
Mil vítimas lhe arranca,
E da imortalidade nos altares
As mostra coroadas.
Em vão do manto esquálido
A bárbara sacode o voraz verme
No cadáver do sábio;
Lá desce o Gênio intrépido,
Em vão as frias cinzas lhe arremessa
Nos abismos do olvido;
E, ao lume da lanterna da memória,
Ajunta as cinzas, sopra o fogo santo
Da santa poesia,
O sábio ressuscita e pasma o mundo!


IV

Beleza, doce engano,
Mimo, que o tempo deu, que o tempo acaba;
Encantadora nuvem, mas efêmera,
Que da cor do pudor n'os céus vagueia,
Qual suspiro de amor que aos céus se eleva;
Beijada pelo sol, tímida aurora,
Também fenecerás! Trevas do túmulo
Aos lumes da existência
Sucederão funéreas;
Serão consócios teus mudo silêncio,
Sombras, escuridão, vermes, e terra.
Lestes, belas? Tremeis? Magos encantos
Baceia a mão do tempo, arrasa a campa:
Porém do Gênio à voz - curva-se o tempo:
Quebra o sepulcro a laje aos pés do Gênio.
Não!... de todo não morre uma beleza
De um Gênio idolatrada;
Que a luz brilhante, que lhe anima os carmes
O luzento fanal, que o ilumina
Nas borrascas da vida,
Jamais, jamais se apaga.


V

Cidades destruídas,
Impérios derrocados,
Oh! quantas, quantas vezes
O Gênio, qual brandão, vos esclarece
As pálidas ruínas,
Lê nelas vossa glória, e vos confia
As trombetas da fama!...
Se foge a tempestade,
Se as estações revivem,
Se as noites reproduzem novos dias,
E os dias novas noites,
Servos obedecendo à voz do Eterno,
Mensageiro do Eterno o Gênio exerce
Igual poder na terra!... A Natureza,
No meio das procelas,
Se a voz lhe escuta, abandonando as fúrias,
Dissipando de um sopro atroz horrores,
Surge risonha, como à voz divina,
Saiu do caos informe, - encantadora,
Toda nua, trazendo por adornos
Nos seios o Verão, nas mãos o Outono:
Nos cabelos prendendo a Primavera,
Por chapim de cristal calçando o Inverno.
Do Gênio ouvindo o canto,
Remoçam-se as idades,
Os mortos dos sepulcros se levantam,
E vivem nova vida
Dos homens na memória.


VI

Ó Anjo das ruínas,
Voa ao teu reino, que é tarefa inútil
Extinguir o que é belo no universo,
Enquanto o lume santo
D'inspiração celeste
Mentes iluminar predestinadas.
Aos sons miraculosos
D'harpa do Gênio ressurgindo ovantes
O saber, a virtude,
Meigos encantos de gentil beleza,
Hão de zombar de ti - quebrar-te o sólio,
Calcar-te aos pés a fronte.


VII

Como o gemer de vaga, que se quebra
No sopé do rochedo;
Como ribombo de trovão, que rola
Pelos longes do espaço,
Ou eco de clarim perdido em ermos,
Do Gênio a voz ecoa no infinito,
E, por ela acordada,
O semblante solene
Ergue para saudá-lo a Eternidade,
Lá soa o bronze, solfejando a nota
Da alpercata da morte sobre as campas.
O sol está no ocaso!!!
O Gênio ansioso espera
O sinal de seu vôo ao Ser Supremo.
Vede-lhe o pensamento: - é uma lira,
Donde os dedos da Fé extraem destros
Melífluos sons divinos -
São os salmos do gênio agonizante:
E a última das notas é sua alma,
Que se perde no céu! - De lá, ó morte,
Sorrindo a teu poder te desafia
Pelo raio divino armada a destra,
Dos céus abroquelado;
Enquanto cá na terra,
Sarcasmo a teu poder, seu nome troa,
Como um brado de glória, enchendo o mundo
...


***



FOI EM MANHÃ DE ESTIO 
(Modinha)



Foi em manhã de estio
De um prado entre os verdores,
Que eu vi os meus amores
Sozinha a cogitar.

Cheguei-me a ela,
Tremeu de pejo...
Furtei-lhe um beijo,
Pôs-se a chorar.

Eram-lhe aquelas lágrimas
Na face nacarada
Per'las da madrugada
Nas rosas da manhã.

Santificada
Naquele instante,
Não era amante,
Era uma irmã.

Dobrados os joelhos
Os braços lhe estendia,
Nos olhos me luzia
Meu inocente amor.

Domina a virgem
Doce quebranto,
Seca-se o pranto,
Cresce o rubor.

Nestes teus lábios
De rubra cor,
Quando tu ris-te
Sorri-se amor.

Dos lindos olhos,
Tens o fulgor,
Se p'ra mim olhas
Raios de amor.

De teus cabelos
De negra cor,
Forjam cadeias
Brincando amor.

Neles p'ra sempre,
Servo ou senhor,
Viver quisera
Preso de amor.

Rosas que tingem
Fresco rubor
Nas tuas faces
Espalha amor.

Se de minh'alma
Com todo o ardor,
Chego a beijá-las
Morro de amor.
Tua alma é pura
Celeste flor,
Só aquecida
Por sóis de amor.

Já em ternura,
Já em rigor,
Dá vida e morte,
Ambas de amor.

Quando a perturba
Casto pudor,
Encolhe as asas
Tremendo amor.

Se do ciúme
Sente o fulgor,
Em mar de chamas
Se afoga amor.

Se me concedes
Terno favor
Terei por lume
Somente amor.

Porém no templo
Mandarei pôr
O teu retrato
Em vez de amor.

  

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