segunda-feira, 17 de março de 2014

PATRICIA GALVÃO (PAGU) (1958 - )


Nascida em São João da Boa Vista em 9 de junho de 1910, Pagu mudou-se para a capital em 1912, aos 2 anos. Morou na Liberdade, no Brás, na Aclimação, na Bela Vista e em uma chácara no então município de Santo Amaro. Depois de breves períodos no Rio de Janeiro e em Paris, para fugir da repressão, encontrou sossego em Santos, onde morreu em decorrência de um câncer. Por conta da doença, Patrícia tenta suicídio, o que não se consuma. Sobre o episódio, ela escreveu no panfleto "Verdade e Liberdade": "Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas". Diferente das moças de sua época, Pagu usava blusas transparentes, fumava na rua e dizia palavrões. Com 15 anos, passa a colaborar no Brás Jornal, assinando Patsy. Apresentada aos artistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, Pagu aos 18 anos se integra ao movimento antropofágico, de cunho modernista. Após 2 anos casa-se com Oswald e tem seu primeiro filho, Rudá de Andrade. E então junto ao seu marido inicia na vida política, tornando-se militante do Partido Comunista. Jovem, bonita e burguesa, Patricía Galvão não necessitava de lutar pelos direitos da sua classe que era a mais favorecida, porém resolveu lutar por aquilo que acreditava. Aos 20 anos incendiou o bairro do Cambuci em protesto contra o governo provisório. Comanda uma greve de estivadores em Santos, e é presa pela primeira vez, das 23 que ainda iriam ocorrer, tornando-se a primeira mulher presa no Brasil por motivos políticos. Nesse mesmo dia perde um amigo estivador, morto em seus braços pela polícia. Em 1933 publica o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro. Nesse mesmo ano partiu para uma viagem pelo mundo, quando estréia como repórter, deixando no Brasil o marido Oswald e seu filho. Em 1935 filiou-se ao PC na França, onde também fez cursos na Sorbonne, em Paris, lá é presa como comunista estrangeira, com identidade falsa, ia ser deportada para a Alemanha nazista, quando o embaixador brasileiro Souza Dantas conseguiu mandá-la de volta ao Brasil. Separa-se definitivamente de Oswald e então retoma a atividade jornalística, mas o passado não a deixa retornar tranquilamente, e é novamente presa e torturada pelas forças da Ditadura, ficando na cadeia por cinco anos. Desligou-se do PCB em 1940, assim que saiu da prisão. Adere ao trotskismo e incorpora à redação do jornal A Vanguarda Socialista, iniciando em 1946 a sua colaboração regular no Suplemento literário do Diário de S. Paulo. Em 1945 Patrícia casou-se com Geraldo Ferraz, jornalista da A Tribuna de Santos, cidade na qual passaram a viver. Nasce seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz. Tenta sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950. Em 1952 frequenta a Escola de Arte Dramática de São Paulo, levando seus espetáculos a Santos. É conhecida como grande animadora cultural e dedica-se em especial ao teatro, particularmente no incentivo a grupos amadores.
Escreveu também contos policiais, sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, e depois reunidos em Safra Macabra (Livraria José Olympio Editora, 1998). Em 2004 a catadora de papel Selma Morgana Sarti, em Santos, encontrou no lixo uma grande quantidade de fotos e documentos da escritora e do jornalista Geraldo Ferraz, seu último companheiro. Estes fazem parte hoje do arquivo da UNICAMP. Correspondente de vários jornais, Pagu visitou os Estados Unidos, o Japão e a China. Entrevistou Sigmund Freud e assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês. Foi por intermédio dele que Pagu conseguiu sementes de soja, enviadas ao Brasil e introduzidas na economia agrícola brasileira. Pagu é acometida de um câncer e viaja a Paris para se submeter a uma cirurgia, sem resultados positivos. Volta ao Brasil e morre em 12 de dezembro de 1962, em decorrência da doença. Na véspera de sua morte, um último texto seu é publicado, o poema Nothing.
 
 
 
 
 
 
 
NATUREZA MORTA

Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!

Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos.

***




NOTHING

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada. 

 

 

***



Um peixe

Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.

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