segunda-feira, 11 de março de 2013

ADRIANA VERSIANI DOS ANJOS (1963 - )




Adriana Versiani dos Anjos nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais. Tem cinco livros de poemas publicados, dentre eles, A Física dos Beatles (2005), Conto dos Dias (2007), o virtual Explicação do Fato (2008 – Germina literatura – Revista Virtual) e Livro de Papel (2009) Integrou o Grupo Dazibao de Divinópolis/Belo Horizonte. Foi co-organizadora da Coleção Poesia Orbital e do Jornal Inferno. É editora do Jornal DEZFACES. Faz parte do conselho editorial da Revista de Literatura Ato.





Compulsão

Mastigou duas ou três folhinhas logo que acordou e escreveu:
Escreveu as trincas das xícaras.
Escreveu as tábuas corridas estufadas pelo tempo (tanta chuva, tanto sol).
Escreveu as histórias que lhe contaram os bons fantasmas, para sempre
bebendo vinho na varanda.
Com eles anotou o movimento das constelações e desejou a dor profunda
que o reconduziria ao amor perdido no século retrasado.
Escreveu esse amor, a carne inexistente, a dureza dos seus ossos.
No quintal, escreveu o sabor doce do coração do cordeiro. Escreveu isso
com o pedaço de carvão que lhe entregaram os piratas ingleses.
Rolou em êxtase pelo jardim de maçãs, desprovido de vestes,
sentindo ohálito do vento,
massageando-se nas sílabas.
Escreveu isso na alma de vidro com a ponta do diamante.
Fez um círculo de fogo na clareira daquele bosque.
Escreveu a fome que viu na cidade secreta e o beija-flor agonizando no vaso do jardim.

Pobre beija-flor!

Acordou com um gosto de menta na boca e escreveu.

Tudo mentira.


***


Código

Perdoe-me por não saber amar em outra língua.
estes versos, que me atravessam como uma rua acidentada, não os explicito.

perdoe-me por não saber cantar em outra língua.
estes versos, que me iluminam como as pedras que flatam na rua
acidentada, não os traduzo.

perdoe-me por não saber beijar em outra língua.

estes versos que se soltam e me encharcam.


***



Aprendizado ou a viagem ao centro da terra
[Transalucinação de trechos da prosa de Alejandra Pizarnik]


A. pegou o pote onde estava escrito:
“Beba-me e verás coisas cujo nome não sonha o silêncio”.
A linguagem é um vácuo onde nenhum objeto parece ter sido tocado por mãos humanas.
Falo com a voz atrás da voz e com os mágicos sons da língua encantada.
Embriaga-me a luz que transforma minhas palavras em um esplêndido castelo de papel.
Permito-me visões e figuras pressentidas segundo os temores e os desejos do momento.
Sobrevoa-me a morte. Busco a saída.
Volto a mim e vejo uma dor que não acaba.
Luz estranha a todos nós. Em mim, tudo se diz com sua sombra.
Azul é meu nome.
Sou capaz de morrer por uma palavra mal pronunciada.
Os sofrimentos me dispensam de dar explicações.
Já não significa para mim a língua que herdei dos estrangeiros.
Sei bem que minha ferida não deixará de coincidir com a de alguma “supliciada”, que um dia me lerá com fervor por eu ter deixado de dizer que não tinha nada a dizer.
Eu falo a partir de mim.
Para sempre em meu ombro direito dois êxtases poéticos.








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