segunda-feira, 16 de setembro de 2013

ANGÉLICA FREITAS (1973- )

Nascida em pelotas, Angélica Freitas é poeta e tradutora brasileira. Publicou o livro Rilke shake (São Paulo: Cosac Naify, 2007). Participou de vários encontros de poetas e festivais internacionais, como o Festival Latino-americano de Poesía Salida al Mar (Buenos Aires), o Poquita Fé, em Santiago do Chile, e é uma das convidadas do Poesie Festival em Berlim, dedicado em 2008 à poesia lusófona. Seus poemas foram publicados em várias revistas impressas e eletrônicas, como Inimigo Rumor (Rio de Janeiro, Brasil), Diário de Poesía (Buenos Aires/Rosário, Argentina), águasfurtadas (Lisboa, Portugal), Hilda (Berlim, Alemanha) e Aufgabe (Nova Iorque, Estados Unidos), e figura na antologia Cuatro Poetas Recientes del Brasil (Buenos Aires: Black & Vermelho, 2006). É co-editora, com os poetas Marília Garcia, Fabiano Calixto e Ricardo Domeneck, da revista de poesia Modo de Usar & Co. Traduziu poetas argentinas como Susana Thénon e Lucía Bianco.






FAMÍLIA VENDE TuDO

família vende tudo
um avó com milito uso
um limoeiro
um cachorro cego de um olho
família vende tudo
por bem pouco dinheiro
um sofá de três lugares
três molduras circulares
família vende tudo
um pai engravatado
depois desempregado
e uma mãe cada. vez mais gorda
do seu lado
família vende tudo
um número de telefone
tantas vezes cortado
um carrinho de supermercado
família vende tudo
uma empregada batista
uma prima surrealista
uma ascendência italiana & golpista
família vende tudo
trinta carcaças de peru (do natal)
e a fitinha que amarraram no pé do júnior
no hospital
família vende tudo
as crianças se formaram
o pai faliu
deve grana para o banco do brasil
vai ser uma grande desova
a casa era do avó
mas o avó tá com o pé na cova
família vende tudo
então já vii
no fim da quinhentos contos
pra cada um
o júnior vai reformar a piscina
o pai vai abrir um negocio escuso
e pagar a vila alpina
pro seu pai com muito uso
família vende tudo
preços abaixo do mercado


***







february mon amour

janeiro não disse a que veio
mas fevereiro bateu na porta
e prometeu altas coisas
'como o carnaval', ele disse.
fevereiro é baixinho,
tem 1,60 m e usa costeletas
faria melhor propaganda
do festiva) de glastonbury.)
pisquei ligeira nas almofadas:
'nem tô, fevereiro
abandonei o calendário'.
'você é um saco', ele disse
e foi cheirar no banheiro.



***




l'enfance de l'art

porque eu perdia a pose mamãe me deu uma cadeira
elegante de veludo burgundy. três anos no balé tutus e
tafetás e ainda perdia a pose.
mamãe disse vou comprar uma cadeira para que pelo
menos sente elegantemente, papai chegava tarde e ao
me ver sentada lendo pedro nava suspirava e tirava
trollope da estante, «leia os clássicos,
é importante.» era o entendimento de papai o self-made
man o marido de mamãe a de quatro sobrenomes.
daí minha aversão a heráldica e estofados.
daí por que nunca li chaucer antes.








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