sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

SOLENGE REBUZZI (1951 – )


Nasceu no Rio de Janeiro é poetisa, psicanalista e doutora em Literatura Brasileira. Publicou em poesia, entre outros, Leblon, Voz e chão (2004), e o ensaio Leminsky, guerreiro da linguagem (2003).






A bota de inverno

Ela está em negro.

No trem, a mulher esconde-e
sob as pregas
de sombras azuis.
o frio respira
mãos de unhas cuidadas,
a pedra verde fascina a outra mulher.
Elas se olham rapidamente,
o trem-metrô-em-trilhos
carrega torres de Babel:
Línguas e olhares.

O corpo em crise
(fevereiro de 2005)
não percebe o poema
que começa.
                    Não me mexo,
Sinto os pés inchando
devagar. A pele parece ausente,
as unhas dos dedos
pedem espaço. Penso:
ao chegar em casa,
me deterei
- ao lavar os pés –
m a s s a g e a n d o  o s  d e d o s
(despidos de dóceis meias).

Algumas mulheres trazem consigo

os pés herança

na trama da linha que escorrega

sem derrame ou cicatriz.



 ***




Indianas

1
Cinco mulheres em véus e sandálias de plataforma alta.
Verão.


2

Eu não estava em Bombaim mas seus tornozelos tinham a tonalidade das pétalas de rosa, um pouco violeta. Corriam entre os carros assustadas.
Vislumbrei a calça jeans embaixo das dobras vermelhas da seda. Talvez, em função da maquiagem, da sensualidade do andar, eu tenha parado para olhá-las:
ritmo, perfume, cor...
Por um milagres elas surgiram. Foi como pude senti-las naquele longo boulevard Raspail.


3

Um pintor teria dito:
parem!
Degas pintaria a idade de seus pés ou de suas mãos? Matisse, os volumes e as formas
dos braços?
Abro um parêntese.
Fui ao dicionário. Procurei, sem saber bem onde estava indo, a palavra rubra.
Precisava do vocábulo para justificar meu poema que atraía sementes.


4

A “coisa” colorida. O vestido de uma Mulher pede para ser usado no plural,
v e s t i d o s  d e  M u l h e r e s.

Há mais coisas a dizer.
Narinas abertas respiram o ar quase púrpuro da luz.

Essas mulheres
na tela escritural,
não longe
uma das outras,
convivem com o final do dia.


5

Sobrancelhas arqueadas
à lápis noir
turquesa – entre – os olhos
não menos que outras cores
sobre a pele brilhante.
Um piscar de movimento brusco
é uma possibilidade
no novo mundo
do texto,
e distingue o jamais visto.

Enfim me rendo!



***



RUBRO


vermelho muito
vivo
da cor
de sangue.      
     


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