quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

GREGÓRIO DE MATOS (1623-1696)


Poeta barroco brasileiro, nasceu em Salvador, Bahia, e morreu em Recife, Pernambuco. Foi contemporâneo do Pe. Antônio Vieira. Amado e odiado, é conhecido por muitos como "Boca do Inferno", em função de suas poesias satíricas, muitas vezes trabalhando o chulo em violentos ataques pessoais. Influenciado pela estética, estilo e sintaxe de Gôngora e Quevedo, é considerado o verdadeiro iniciador da literatura brasileira. De família abastada (seu pai era proprietário de engenhos), pôde estudar com os jesuítas em Salvador. Em 1650, com 14 anos, abala para Portugal, formando-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1661. É nomeado juiz-de-fora em Alcácer do Sal (Alentejo) em 1663. Em 1672 torna-se procurador de Salvador junto à administração lisboeta.
Volta ao Brasil pouco depois de 1678. Quarentão e viúvo, tenta acomodar-se novamente na sociedade brasileira, tarefa impossível. Apesar de investido em funções religiosas, não perdoa o clero nem o governador-geral (apelidado "Braço de Prata" por causa de sua prótese) com seu sarcasmo. Mulherengo, boêmio, irreverente, iconoclasta e possuidor de um legendário entusiasmo pelas mulatas, pôs muita autoridade civil e religiosa em má situação, ridicularizando-as de forma impiedosa. Provocando a ira de um parente próximo do governador-geral do Brasil, foi embarcado à força para Angola (1694), pois corria risco de vida. Na África, curte a dor do desterro, espanta-se diante dos animais ferozes, intriga-se com a natureza, dá vazão ao seu racismo e se arrisca à perda da identidade. Sua chegada à Luanda coincide com uma crise econômica e com uma revolta da soldadesca portuguesa local. Gregório interferiu, pacificou o motim, acalmou (ou traiu?) os revoltosos e, como prêmio, voltou para o Brasil, para o Recife, onde terminaria seus dias. Sua obra poética apresenta duas vertentes: uma satírica (pela qual é mais conhecido) que, não raro, apresenta aspectos eróticos e pornográficos; outra lírica, de fundo religioso e moral. Ao contrário de Vieira, Gregório não se envolveu com questões magnas, afetas à condução da política em curso: não lhe interessavam os índios, mas as mulatas; não o aborreciam os holandeses, mas os portugueses; não cultivou a política, mas a boêmia; não "fixou a sintaxe vernácula", mas engordou o léxico; não transitou pelas cortes européias, mas vagabundeou pelo Recôncavo. É uma espécie de poeta maldito, sempre ágil na provocação, mas nem por isso indiferente à paixão humana ou religiosa, à natureza, à reflexão e, dado importante, às virtualidades poéticas duma língua européia recém-transplantada para os trópicos. Ridicularizando políticos e religiosos, zombando da empáfia dos mulatos, assediando freiras e mulatas, ou manejando um vocabulário acessível e popular, o poeta baiano abrasileirou o barroco importado: seus versos são um melting pot poético, espelho fiel de um país que se formava.








Ao braço do mesmo menino Jesus
quando apareceu.



O todo sem a parte não é todo,
a parte sem o todo não é parte,
mas se a parte o faz todo, sendo parte,
não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o sacramento está Deus todo,
e todo assiste inteiro em qualquer parte,
e feito em partes todo em toda a parte,
em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
pois que feito Jesus em partes todo,
assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
um braço, que lhe acharam, sendo parte,
nos disse as partes todas deste todo.


***


BUSCANDO A CRISTO



A vós correndo vou, braços sagrados,
nessa cruz sacrossanta descobertos,
que, para receber-me, estais abertos,
e, por não castigar-me, estais cravados.

a vós, divinos olhos, eclipsados
de tanto sangue e lágrimas abertos,
pois, para perdoar-me, estais despertos,
e, por não condenar-me, estais fechados.

a vós, pregados pés, por não deixar-me,
a vós, sangue vertido, para ungir-me,
a vós, cabeça baixa p‘ra chamar-me.
 
A vós, lado patente, quero unir-me,
a vós, cravos preciosos, quero atar-me,
para ficar unido, atado e firme.



***


A Nosso Senhor Jesus Cristo
Com Atos de Arrependido...


Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
da vossa piedade me despido,
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
 
Se basta a vos irar tanto um pecado,
a abrandar-nos sobeja um só gemido,
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.
 
Se uma ovelha perdida, e já cobrada
glória tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:
 
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.




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