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Nasceu em União dos Palmares, Etado de Alagoas,
e morreu na cidade do Rio de Janeiro. Foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo,
ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Inicialmente autor de versos
alexandrinos, posteriormente transformou-se em um modernista. Era filho de um
comerciante rico e mudou-se para Maceió em 1902, com a mãe e os irmãos. Em 1909
foi morar em Salvador onde iniciou os estudos de medicina. Concluiu o curso no
Rio de Janeiro em 1914, mas foi como poeta que projetou seu nome. Neste mesmo
ano publicou o primeiro livro, XIV
Alexandrinos. Voltou para Maceió em 1915 onde se dedicou à medicina, além
da literatura e da política. Quando se mudou de Alagoas para o Rio, em 1930,
montou um consultório na Cinelândia, transformado também em ateliê de pintura e
ponto de encontro de intelectuais. Reunia-se lá gente como Murilo Mendes, Graciliano
Ramos e José Lins do Rego. Nesse período publicou aproximadamente dez livros,
sendo cinco de poesia. Também exerceu o cargo de deputado estadual, de 1918 a 1922.
Com a Revolução de 1930 foi levado a radicar-se definitivamente no Rio de
Janeiro. Em 1939 passou a dedicar-se também às
artes plásticas, participando de algumas exposições. Em 1952, publicou seu
livro mais importante, o épico Invenção
de Orfeu. Em 1953, meses antes de morrer, gravou poemas para o Arquivo da
Palavra Falada da Biblioteca do Congresso de Washington, nos Estados Unidos da
América. Entre 1937 e 1945 teve sua candidatura à Academia Brasileira de Letras
recusada por seis vezes. Para Ivan Junqueira, a Academia cometeu uma
imperdoável injustiça com o autor, cujo trabalho literário foi excepcionalmente
bem recebido pela crítica e pelo público. O acadêmico não acredita que o poeta
tenha transitado à margem da literatura de seu tempo e, afirma, quando se refere
ao maior poema do autor - Invenção de
Orfeu, "…até hoje, transcorridos mais de 50 anos de sua publicação,
não há poeta brasileiro que dele não se lembre." Os textos de Jorge de
Lima abrigam uma colossal possibilidade de leituras (a convivência entre a
tradição e o novo, o vulgar e o sublime, o regional e o universal) refletem um
artista em constante mutação, que experimentou estilos diversos como o parnasiano,
o o regional o barroco, o religioso. Na sua multiplicidade, Jorge de Lima
pertence a todas as épocas, mesmo se reportando a um tema ou uma situação
específica, ao tocar em injustiças sociais que mudaram pouco desde o início da
civilização e quando escreve sobre as grandes dúvidas de todos nós, "…da
miséria humana, da tentativa de superação de nossas amarras e de nossas
limitações.", explica o poeta e jornalista Claufe Rodrigues, leitor voraz
de Jorge de Lima. Ítalo Moriconi, poeta e professor de literatura brasileira na
UERJ, autor, entre outros, de Como e por que ler a poesia brasileira do século
XX, ao analisar a obra de Jorge de Lima (contrariamente à Ivan Junqueira quanto
a questão de o poeta não ter alcançado fama por conta de sua obra ser, em
parte, muitas vezes hermética e comprometida com o catolicismo), não acredita
na hipótese de que a questão religiosa tenha atrapalhado a carreira do poeta: "Como
poeta religioso Jorge de Lima nunca produziu nada com a qualidade de um Murilo
Mendes em "Poesia liberdade". O lugar canônico de Lima vem dos
sonetos, da sua primeira poesia modernista e, sobretudo de Invenção de Orfeu”. Moriconi afirma que a maioria dos professores
de letras não conhece bem nem Murilo Mendes nem Jorge de Lima e toca num ponto
fundamental para a pouca visibilidade do poeta: "…como levar um poeta tão
complexo a um currículo básico de graduação? "(…)Quem os conhece, mesmo
quando os amam, como é o meu caso, hesitam em substituir um daqueles quatro por
esses dois.", referindo-se aos poetas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de
Andrade, Mário Quintana e João Cabral de Melo Neto.
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SONETOS GÊMEOS
Se me vires inúmero, através
deste poema, entre as coisas e as criaturas,
como se eu próprio fosse o que outrem é,
dissipado nas páginas impuras,
arrebatado pelo próprio poema,
possesso, surpreendido, fragmentado,
travestido de herói ou de réu, em
quase todos os versos degredado,
negarás, meu irmão, a alma que vive
perdida na ansiedade de si mesma
sonhando a paz, querendo a paz; a paz
mas nas tormentas em que a paz revive
mas nos tormentos em que a paz se lesma
e se intumesce. Eu enlouqueço! Mas
até na álgida paz da insânia Deus
me busca para ser o seu convulsivo
a amado filho em torno de quem crês
morar a paz que Ele destina viva
a todo aquele que lhe faz perguntas.
Eis as respostas nessas vozes gêmeas,
deblaterando sobre o teu defunto,
sobre teu louco, sobre o teu recente
corpo hoje inda nascido e já julgado
e já descido, e já movido nesses
campos da morte, sob os passos, pássaros,
aos ventos indo, sob as noites gastas,
passos sobre as caliças, sob os gessos,
sob as bocas sem choro, em seus nadas.
***
O grande
desastre aéreo de ontem
a Cândido Portinari
Vejo sangue no ar,
vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o
violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira
negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na
explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo
sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos
poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista,
mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas,
como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela
pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas
riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir
dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine
ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com
extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento.
Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o
arrebol.
***
SONETO
Era
um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.
Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.
Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.
Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.
Um prazer poder ler Sonetos de uma leveza surpreendente!
ResponderExcluirEmmanuel Almeida