quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

LAWRENCE SALABERRY (1965 - )



Lawrence Salaberry (Lawrence Flores Pereira) nasceu em 1965. É poeta, tradutor e professor, autor do livro de poemas Engano Especular. Traduziu Antígona, Hamlet, poemas de T. S. Eliot e outros poetas.






MARINA

Preso à noite
 nesse cais
Ouço a nave
                         lenta a ondular

E o contramestre nervoso
Pelo tombadilho.

- Certeza de volta ao lar -

Tudo sereno
                        onda boa

De tuas pernas batendo
                                             as canoas.

E noite adentro
                               a canção da aragem

Garoa
              que refresca o alento

Me lembra teu corpo amado
Entrevisto num momento
De descuido do vento.


***



SARANDI



A três quadras do mar, à noite,
Do chalé da praia de Sarandi,
Uma criança podia ouvir ao longe
O clangor gutural do mar e sentir os grãos do sal
Fertilizando tudo. Teu coração batia com ele
Num misto de exaltação, medo e ansiedade....

Como se pudesse ser ali despido de meu corpo,
Como se a qualquer momento eu pudesse ser levado.
(Grato, aliás, por teres me sugado e aterrorizado!)

Ou era como amar, como encontrar de novo o interrompido?
E à noite, ao colocar os pés no chão adorado,
Ao sentir o cheio sujo das sarjetas, não conseguimos
Nos conter, e fomos até a praia para molhar os pés,
E caminhamos até a barra,
Vimos os últimos botos rompendo a película
Das águas em suave cadência. Era tudo como era.
Teria naquele dia engolido o mar, o ruído, o cheiro – a ambrosia
Que se abre dos aromas acres, dos pólipos morridos,
Como uma auréola infinita.
Parece se abrir na imaginação
Mais do que a infância é longa.
Mas havíamos mudado -
E, não sabia, o vigor do vento,
E do Mar, repercutindo os pulmões taurinos,
Era um interlúdio que ele
Representou magnificamente, antes de se virar

Sem dizer adeus.


***


As casas são silêncios quando deixadas sós:
Arrabaldes da lembrança que a memória incita
Ao remoer-se em suas mil reprojeções.
Um quarto se liga ao outro, uma sala, uma cozinha, um corredor,
Uma troca de palavras nas escadas: as casas são silêncios
Quando deixadas sós.

E eu o invoco, o estranho quadrúpede,
Que pálido desperta do seu sono, ergue as patas,
Marcha ao lugar antigo:
No pensamento sou eu que agora contenho
Quem outrora me continha.
No pensamento
Onde outra arquitetura a projeta, talvez com as frutas do quintal
Numa eterna circulação de nascimento, corrupção e morte.
No pensamento com a régua e algumas linhas fugidias,
Difícil traçá-la ou evocá-la. Como habitar quem me habita.
Mas ela está fria agora, sem o calor do fogo. A casa é uma extensão
Em mim, que está perdido.

E onde a voz que a preenchia?
Do telhado que cobria os fundos se viam os primeiros raios.
Estrangulava-os as mamonas que no azul,
Cresciam mudas com seus grãos de espinhos, arregaçando
Estridentemente os ombros verdes no baldio, sorvendo em desvario
Os amarelos pulverizados. Eu as vi
Ao me voltar ao leste aquele dia.

A casa é uma extensão de mim que está perdida, ela é a sombra
De todas as sombras ou talvez um labirinto dedálico do sonho
Que retorna e sobressalta o insone: eu a busco
Na parede mofada, no mijo do cachorro
No vozerio-algazarra
Das crianças que saiam da escola ao lado,
Na textura suculenta das paredes, mas talvez
O fio esteja perdido que a delicada aranha retramou. Imaginar aquele olho
Que ouvia, via e escrutava pela casa.
O simples esforço de recompor teu entorno, teu aspecto baldio, teus
Paralelepípedos, tua flora de mau gosto me inebria e paralisa.
Agora, num átimo, ele surgiu.
Entre o imaginar e o que imagino
O que me falta é eu.





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