quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ALBERTO DA CUNHA MELO (1942-2007)

Neto e filho de poetas, José Alberto Tavares da Cunha Melo estreou em livro em 1966, ano em que o historiador Tadeu Rocha batizou de Geração 65 o grupo de poetas surgidos nas páginas do Diário de Pernambuco naquela época.

Como sociólogo, trabalhou por onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Em sua atuação como jornalista, foi editor do Commercio Cultural, do Jornal do Commercio (Recife) de Pernambuco, e da Revista Pasárgada, além de colaborador da coluna Arte pela Arte, do Jornal da Tarde de São Paulo, e da coluna Marco Zero, da Revista Continente Multicultural.

Foi o maior incentivador do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco nos anos 1980.

Foi, também, Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores – Secção Pernambuco – UBE-PE, entre 1983-1984, primeira gestão da entidade após a sua reorganização, com o início da abertura política no Brasil, e, por duas vezes, Diretor de Assuntos Culturais da Fundação do Patrimônio e Artístico de Pernambuco – FUNDARPE.

Além das obras individuais, publicou poemas em antologias nacionais e estrangeiras. Em 2001, foi incluído na coletânea Os cem melhores poetas brasileiros do século XX, organizada por José Nêumanne Pinto (São Paulo: Geração Editorial).








NUM ESCRITÓRIO DA MESBLA

Quando muito, nos permitiam
ouvir um assovio de fora
mas não podíamos voltar
para um lado nossas cabeças.

Na grande sala não havia
um só momento em que tivéssemos
dolorosa oportunidade
de comparar os nossos rostos.

Um de nós ocultava sempre
um livro escuro na gaveta,
e o consultava nos instantes
em que devia descansar.

Outro, numa mesa afastada,
(menos erudito e mais triste)
colecionava no intervalo
selos de países distantes.

No escritório, só raramente,
íamos contemplar na parede
o gado manso que partia
na paisagem do calendário.


***

CASA VAZIA

Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,

uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.





***

ORAÇÃO PELO POEMA

A cem quilômetros por hora,
solto a direção do automóvel,
para escrever alguma coisa
mais urgente que minha vida.

Devo portanto utilizar
o vocabulário econômico
do Século: é proibido
amar, fumar, pisar na grama.

Mas gostaria que restasse
algum tempo para dizer
no poema as palavras súbitas
de recompensa e remissão.

Ó meu Deus, eu quero escrever
a minha vida, não teu Céu.
Eu estou só e enlouquecido
como as ovelhas mais longínquas.

Dá pelo menos a esperança
de terminar o doloroso
poema. Dá isso a teu filho,
caído, e coberto de sal.

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