sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

CALDAS BARBOSA (1739-1800)

Domingos Caldas Barbosa é poeta e violeiro brasileiro nascido no Rio de Janeiro, RJ, a quem se deve a popularidade da modinha brasileira em Portugal. Mulato de origem obscura, filho de pai português e mãe escrava, estudou no Colégio dos Jesuítas, revelando desde cedo seus dotes artísticos. Compunha e cantava modinhas e fazia versos satíricos e era um hábil tocador de viola. Forçado pelo Capitão-General Gomes Freire de Andrade a assentar praça na Colônia do Sacramento, no extremo sul do país (1762), voltou ao Rio de Janeiro, quando a Colônia foi ocupada pelos espanhóis, obteve baixa e, por intermédio do Conde de Pombeiros, transferiu-se para Portugal. Ali continuou seus estudos e foi ordenado padre, tornando-se Capelão da Casa da Suplicação. Foi recebido como membro da Arcádia lusitana, adotando o nome de Lereno Selenuntino. Famoso como violeiro no Brasil, também tornou-se muito popular no reino, através de suas modinhas e lundus, freqüentando saraus das casas mais distintas. Muitas de suas cantigas ficaram registradas em coletâneas de modinhas, e os textos de muitas delas aparecem também no livro Viola de Lereno, que ele publicou em Lisboa, cidade onde veio a falecer em data não muito precisa. É o Patrono da Cadeira n. 3 da Academia Brasileira de Música .








VOU MORRENDO DEVAGAR

Eu sei cruel, que tu gostas,
Sim gostas de me matar;
Morro, e por dar-te mais gosto,
Vou morrendo devagar.

Eu gosto de morrer por ti;
Tu gostas de ver-me expirar;
Como isto é morte de gosto,
Vou morrendo devagar.

Amor nos uniu em vida,
Na morte nos quer juntar;
Eu, para ver como morres,
Vou morrendo devagar.

Perder a vida é perder-te;
Não tenho que me apressar;
Como te perco morrendo,
Vou morrendo devagar.

O veneno do ciúme
Já principia a lavrar;
Entre pungentes suspeitas
Vou morrendo devagar.

Já vai me calando as veias
Teu veneno de agradar;
E gostando eu de morrer,
Vou morrendo devagar.

Quando não vejo os teus olhos
Sinto-me então expirar;
Sustentado d'esperanças,
Vou morrendo devagar.

Os Ciúmes, e as Saudades
Cruel morte me vêm dar;
Eu vou morrendo aos pedaços,
Vou morrendo devagar.

É feliz entre as desgraças,
Quem logo pode acabar;
Eu, por ser mais desgraçado,
Vou morrendo devagar.

A morte, enfim, vem prender-me,
Já não lhe posso escapar;
Mas abrigado a teu Nome,
Vou morrendo devagar.

***


O NOME DO TEU PASTOR
(Cantiga)

No tronco de um verde Loiro
Me manda escrever Amor,
Misturado com teu nome,
O nome do teu Pastor.

Mil abelhas curiosas,
Revoando derredor,
Chupam teu nome, deixando
O nome do teu Pastor.

De um raminho pendurado,
Novo emplumado Cantor,
Suspirava ali defronte,
O nome do teu Pastor.

Ah! Lília, soberba Lília,
Donde vem tanto rancor?
Tu bem viste, mas não leste
O nome do teu Pastor.

Já não se via o teu nome,
Bando o levou roubador;
E ficou só desgraçado,
O nome do teu Pastor.

O teu nome que roubaram
A novo mel dá sabor
Sem o misto d'amargura
Do nome do teu Pastor.



***

A TERNURA BRASILEIRA



Não posso negar, não posso,
Não posso por mais que queira,
Que o meu coração se abrasa
De ternura Brasileira.

Uma alma singela e rude
Sempre foi mais verdadeira,
A minha por isso é própria
De ternura Brasileira.

Lembra na última idade
A paixão lá da primeira,
Tenho nos últimos dias
A ternura Brasileira.

Vejo a carrancuda morte
Ameigar sua viseira,
Por ver que ao matar-me estraga
A ternura Brasileira.

Caronte, que chega à barca,
E que me chama à carreira,
Vê que o batel vai curvando
Co’a ternura Brasileira.

Mal piso sobre os Elísios,
Outra sombra companheira
Chega, pasma, e não conhece
A ternura Brasileira.

Eu vejo a infeliz, Rainha
Que morre em ampla fogueira,
Por não achar em Enéias
A ternura Brasileira.

Do mundo a última parte
Não tem frase lisonjeira,
As três que a têm não conhecem
A ternura Brasileira.

Do mundo a última parte
Foi sempre em amar primeira
Pode às três servir de exemplo
A ternura Brasileira.

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