quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ROSEANA MURRAY (1950- )

Roseana Murray é formada em Lingua e Literatura Francesa, pela Aliança Francesa, Universidade de Nancy. Mora em Saquarema, cidade de que é cidadã honorária. É casada com Juan Arias, jornalista e escritor espanhol, correspondente, no Brasil, do jornal El País, de Madrid. Começou a escrever poesia para crianças em 1980, com o livro Fardo de Carinho, influência direta de Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles. A autora publicou mais de cinqüenta livros , entre eles Classificados Poéticos (Ed. Miguilim, 1984), Falando de Pássaros e Gatos (Edições Paulus, 1987) e Receitas de Olhar (Ed. F.T.D, 1992). Recebeu por três vezes o Prêmio de Melhor de Poesia pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, o Prêmio APCA, o Prêmio da Academia Brasileira de Letras de melhor livro infantil e faz parte da Lista de Honra do I.B.B.Y.




GENEALOGIA

morro ao contrário e viro minha mãe
ela vinha da Polônia
sem adivinhar que me carregava
em seu destino
que me carregava em suas unhas
em sua voz
eu a vejo no convés do navio
era criança e não sabia os terríveis
peixes que o oceano esconde
ainda trazia nos cabelos o cheiro do feno
as vozes da aldeia
eu era ela seus olhos espreitando o céu imenso
e já fazia parte do seu silêncio
morro mais um pouco e viro minha avó
limoando a casa para o sabat
ela era jovem tinha longas tranças
e um coração assustado feito vento
na próxima semana ela casaria
e nem tinha visto o noivo ainda
se Deus ajudasse ele seria calmo
e protegeria sua vida
como com as mãos ela protege
a chama das velas
eu estou dentro dela embutida em seus desvelos
eu a vejo com os olhos de quem só vai nascer
milhares de horas depois
atravessando os escombros que separam
os avós dos seus netos
morro mais um pouco ainda
e não consigo vê-la
a mãe da minha avó
nem sei seu nome
ela é uma sombra tão longe
e quando fala não consigo escutar
embora me esforce tanto que me doem os ossos
eu já estava escrita na trilha
dos seus olhos tristes?


***



PARTIDA

Hoje arrumo as flores
em cima da mesa
as frutas na memória
quero um dia bem simples
alguma luz pousada
na superfície da água

hoje chamo para mim
amorosas palavras
que vivam um dia
perto do meu coração
que corram pela casa
com sua mistura de mel e espanto
alguém parte com um ruído seco
alguém sempre está partindo

***

A LUA

A lua pinta a rua de prata
e na mata a lua parece
um biscoito de nata.

Quem será que esqueceu
a lua acesa no céu?





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