SONHOS CLAROS, OLHOS ESQUIVOS... (INÉDITO)*
No sonho vibras; és uma flor que arde.
Abres os olhos, logo se desnuda
A luz da manhã, intensa e sempre muda.
Quando os fechas, já sei que vem a tarde.
No teu trajeto, nada há que eluda
Essa doce ilusão, ou que abastarde
Este meu cogitar (somente o alarde
De pássaros no galho). A mão ossuda
Do tempo para nós dois não existe.
Por entre as árvores, onde persiste
Claro clamor de pensamentos vivos,
Vibra no sonho a glória que me cinge,
Quando vislumbro – ó cintilante esfinge –
A luz da manhã em teus olhos esquivos.
(Salvador, 2011),
No sonho vibras; és uma flor que arde.
Abres os olhos, logo se desnuda
A luz da manhã, intensa e sempre muda.
Quando os fechas, já sei que vem a tarde.
No teu trajeto, nada há que eluda
Essa doce ilusão, ou que abastarde
Este meu cogitar (somente o alarde
De pássaros no galho). A mão ossuda
Do tempo para nós dois não existe.
Por entre as árvores, onde persiste
Claro clamor de pensamentos vivos,
Vibra no sonho a glória que me cinge,
Quando vislumbro – ó cintilante esfinge –
A luz da manhã em teus olhos esquivos.
(Salvador, 2011),
***
DURAÇÃO DO AROMA
Não morrem no campo as flores.
Pacíficas continuam
arquiteturas de angústia
dissolvendo-se no chão
amoroso das searas.
Como nuvens distraídas
ficam no solto. Ali somente,
um sofrimento que vem,
uma esperança que vai
da boca dos camponeses
ao chão que abriga silêncio.
Não é pranto nem flor, É vinho.
De amarelo outono e lábios
pranto vinho e flores ficam
incrustados no alimento,
De sangue batendo aos pingos
na superfície das horas
vai seu perfume durando
nas colheitas. Sobrevive
no suor dos músculos tão
sofridos de cicatrizes,
como um hálito de cinza
prenhe de soluço verde.
Prossegue na dor, reunida
à ferrugem dos arados,
a melancolia de olhos,
de pele sacrificada
e ternura corrompida,
de arames e privações.
Que venha o vento brandindo
foices de lua no campo
e corte cercas corte o rio
e das chuvas no caminho
corte horizontes de linho.
Entre abelhas e madeiras,
no coração das florestas
corte as flores e o vizinho
aroma das madrugadas.
Corte pranto dos vaqueiros,
corte rastro dos cavalos
e de quem sofre sozinho
corte voz molhada e fria.
Que venha vento soprando
ferraduras de amargura,
decepe haste das flores
com o alfange da agonia.
Fria lâmina de sombra
inevitável traspasse
o dorso branco do dia.
E o que fica suado na terra
não é pranto nem flor. É vinho.
Sobrevivência do aroma
no lamento desses rostos,
dessas chuvas no caminho,
não morrem no campo as flores:
perduram constituídas
de soluços como o vinho.
Não morrem no campo as flores.
Pacíficas continuam
arquiteturas de angústia
dissolvendo-se no chão
amoroso das searas.
Como nuvens distraídas
ficam no solto. Ali somente,
um sofrimento que vem,
uma esperança que vai
da boca dos camponeses
ao chão que abriga silêncio.
Não é pranto nem flor, É vinho.
De amarelo outono e lábios
pranto vinho e flores ficam
incrustados no alimento,
De sangue batendo aos pingos
na superfície das horas
vai seu perfume durando
nas colheitas. Sobrevive
no suor dos músculos tão
sofridos de cicatrizes,
como um hálito de cinza
prenhe de soluço verde.
Prossegue na dor, reunida
à ferrugem dos arados,
a melancolia de olhos,
de pele sacrificada
e ternura corrompida,
de arames e privações.
Que venha o vento brandindo
foices de lua no campo
e corte cercas corte o rio
e das chuvas no caminho
corte horizontes de linho.
Entre abelhas e madeiras,
no coração das florestas
corte as flores e o vizinho
aroma das madrugadas.
Corte pranto dos vaqueiros,
corte rastro dos cavalos
e de quem sofre sozinho
corte voz molhada e fria.
Que venha vento soprando
ferraduras de amargura,
decepe haste das flores
com o alfange da agonia.
Fria lâmina de sombra
inevitável traspasse
o dorso branco do dia.
E o que fica suado na terra
não é pranto nem flor. É vinho.
Sobrevivência do aroma
no lamento desses rostos,
dessas chuvas no caminho,
não morrem no campo as flores:
perduram constituídas
de soluços como o vinho.
***
A CABRA
Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.
Perco-te. Cabra que és já me tortura
guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.
Máquina e jarro. Luar contraditório
sobre lajedo o casco azul polindo,
dominas suave clima em promontório;
cabra, o capim ao sonho preferindo.
Sulca-me, perdurando nos ouvidos,
laborada em marfim — luz e presença
de reinos pastoris antes servidos —,
teu pêlo, residência da ternura,
onde fulguras na manhã suspensa:
flor animal, sonora arquitetura.
Talvez um lírio. Máquina de alvura
Sonora ao sopro neutro dos olvidos.
Perco-te. Cabra que és já me tortura
guardar-te, olhos pascendo-me vencidos.
Máquina e jarro. Luar contraditório
sobre lajedo o casco azul polindo,
dominas suave clima em promontório;
cabra, o capim ao sonho preferindo.
Sulca-me, perdurando nos ouvidos,
laborada em marfim — luz e presença
de reinos pastoris antes servidos —,
teu pêlo, residência da ternura,
onde fulguras na manhã suspensa:
flor animal, sonora arquitetura.
* Registre-se aqui o nosso mais profundo agradecimento ao poeta por ter tão gentilmente nos honrado com este poema ainda inédito de sua lavra... Abraço amigo ao "poeta de memórias" Florisvaldo Mattos.
Flori,
ResponderExcluirMeu eterno professor, e uma das vozes da década de sesssenta mais consistente no cenário da poesia baiana.
Desde "Reverdor" , que se mostra um poeta maduro, de dicção própria, de versos seguros neste manancial onde a poesia vem cada dia se deteriorando em terras baianas.
Miguel Carneiro