quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

RAQUEL NAVEIRA (1957- )


Raquel Maria Carvalho Naveira Nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e Letras pela FUCMT, atual Universidade Católica Dom Bosco, onde exerce o magistério (Literatura Portuguesa e Literatura Latina), desde 1987, pertencendo ao Departamento de Letras. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. Doutoranda em Literatura Portuguesa na USP.  Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN CLUBE DO BRASIL. Escreveu vários livros, entre eles: Abadia (poemas, editora Imago,1996) e Casa de Tecla (poemas, editora Escrituras, 1999), indicados ao Prêmio Jabuti de Poesia, pela Câmara Brasileira do Livro. Escreveu ainda o infanto-juvenil, Pele de jambo e o livro de ensaios, Fiandeira. Unindo história  e poesia, publicou os romanceiros Guerra entre irmãos (poemas inspirados na Guerra do Paraguai) e Caraguatá (poemas inspirados na Guerra do Contestado), que se transformou no curta-metragem Cobrindo o céu de sombra, monólogo com a atriz Christiane Tricerri, sob a direção de Célio Grandes. Lançou o CD Fiandeiras do Pantanal, onde declama seus poemas, acompanhada pela voz e a craviola da cantora Tetê Espíndola.  A obra de Raquel Naveira tem enorme fortuna crítica, sendo reconhecida e apreciada por escritores e críticos como Fábio Lucas, Lygia Fagundes Telles, Nelly Novaes Coelho, Antônio Houaiss, Lêdo Ivo...  entre outros. 





CONFISSÃO DE MARIANA

(a  Sóror Mariana Alcoforado, que nasceu em Beja, 1640. Desde menina professou no Convento de Nossa Senhora da Conceição em sua cidade natal. Em 1663, conhece Chamilly, oficial  francês servindo em Portugal, durante as guerras da Restauração. Apaixonam-se. Ele regressa à França por ordens militares. Trocam cartas, das quais só ficaram as escritas pela freira, que falece em 1723, após dolorosa penitência)




Foi aqui,
Neste convento
Cheio de varandas
E flores perfumadas,
Perto daquela fonte,
Daquela bacia esculpida,
Que eu, freira clarissa,
Conheci o amor da minha vida:
O oficial francês Chamilly,
Paixão proibida,
Insana,
Incontrolada.


Foi aqui,
Neste convento,
Na cela e no porão
Que me entreguei a ele,
Sufocando-o com meu manto negro
Brocado de estrelas.


Depois que ele partiu,
Foi daqui,
Deste convento,
Que enviei a ele cartas
Tão tensas e dramáticas
Que estilhaçaram meus nervos
Em transes e sangrias.


Foi deste banco de mármore,
Perto do laranjal, que,
Traída e abandonada,
Escrivã sem pejo,
Expeli toda minha fúria,
Minha ânsia,
Meu ódio
De fêmea pagã
Queimando de desejo.


Escrevi:
“A esperança me proporciona prazer,
  Só quero sentir a minha dor,
  Que seria de mim sem esse amor e esse ódio
  Que enchem o meu coração?
  O que vai ser de mim?
  Morro de vergonha.”


Neste convento
Feneço
Na carne e no espírito,
Eu, amante suprema,
De doçura extrema,
Ofereci-me a um cínico,
A um ingrato
E por ele me mato
Como Cristo
Nas dores do calvário.


***


                      LORD BYRON EM SINTRA



Era ele,
Lord Byron,
Na carruagem que seguia
Pela serra
Rumo ao mosteiro suspenso,
Encostado à penedia.

Era ele,
Lord Byron,
O poeta romântico,
Buscando a liberdade
Com a paixão
De uma eterna idolatria.

Eu o vi:
A face lívida,
A capa negra de vampiro,
O sorriso de D. Juan cínico
Que enfeitiça a alma das mulheres
Na mais cruel vilania.

Era ele,
Na estrada de Sintra,
Naquele glorioso Éden,
Naquelas ruínas melancólicas,
Ele, tão jovem e propenso à desgraça,
Mestre supremo do ócio e do spleen,
Imerso naquela verdura
E no perfume das camélias.


Era ele,
Cheio de carisma e beleza,
Aristocrata da tormenta.


Foi depois daquele passeio que ele escreveu:
“_ Há um prazer nas florestas desconhecidas,
Um entusiasmo na costa solitária,
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Amo não menos o homem, mas também a natureza.”






Lord Byron...
Ninguém foi tão disputado quanto ele
Desde os tempos da Guerra de Troia,
Eu o vi
Em sua viagem por terras da Ibéria,
Subindo em direção ao lago,
Como um anjo negro,
Maestro de uma gótica sinfonia.


A carruagem sumiu na neblina
E era emoção
O que eu sentia.


***



LEMBRANÇA DO RIO
 

Da janela da cozinha
Eu via
O rio
Ou era o rio que me espiava,
Espichando o dorso de lama,
Cobra
De couro liso.
 
Enquanto lavava louça,
O rio,
Escorregadio,
Levava nas águas sem espuma,
Os meus desejos,
Sentimentos
E desvios.
 
De vez em quando,
Desprendia-se da árvore
Um bugio,
O rio tremia,
A pele eriçada
Num calafrio.
 
Eu via
E pensava:
Sou moça,
Não vou morrer
Se me atiro
Nesse rio;
Não há dor,
Queimadura,
Lamento
Que ele não cure,
O seu balbucio
É paz e esquecimento.
 
Ó substância úmida!
Ó existência precária!
Meu corpo escoa
Como água
Como se fosse
Meu próprio rio.

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